silêncios reconfortantes

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2023

"Feliz aniversário, meu bem!!!" Ela gritou aparecendo na tela do telefone dele, animada, pulando na cozinha. Ele ainda estava acordando, segurou o celular com uma mão e coçou o olho com a outra como uma criança.

"Bom dia, meu bem, quanta animação" Ele resmungou, se acomodando nos travesseiros da cama macia. Ela apoiou o celular em algum lugar que ele não conseguia identificar e se concentrava em colocar alguns pães na torradeira.

"Seu ingrato, te ligo pra te dar parabéns e tu nem me agradece" Ele sorriu com o comentário dela, que agora aparecia mexendo na cafeteira.

Nessa posição ele conseguia vê-la por completo, Giovanna vestia uma calça pantalona preta e uma camisa um pouco decotada de botões rosa, os cabelos castanhos caindo em ondas por suas costas. Ela estava linda, como sempre. E ligada nos 220 àquela hora da manhã, como sempre também.

"Desculpa Gigica, são 7 horas da manhã, eu acabei de acordar, meu cérebro ainda não reiniciou totalmente, mas eu sabia que você seria a primeira a ligar, como sempre" Foi a vez dela sorrir como boba, se virando para a câmera do celular.

Ela possuía uma xícara de café em uma mão e uma torrada com geleia na outra. Alexandre seguia jogado na cama, sem camisa e com os cabelos grisalhos desgrenhados. Essa era uma rotina que eles mantinham desde que conseguiam lembrar, não importava se era um dia especial ou só mais um aleatório na vida de ambos, as ligações sempre aconteciam, e mesmo se falando todos os dias por mais de 20 anos, elas nunca eram curtas, era impressionante como assunto nunca faltava e mesmo se faltasse, ficar em silêncio ali também era reconfortante. O mais bonito dos relacionamentos é isso, se sentir confortável em silêncio, e a amizade deles era formada por grandes falatórios entrelaçados a silêncios reconfortantes.

Alexandre e Giovanna se conheceram na faculdade antes mesmo dos anos 2000 começarem. Era uma amizade improvável já que, teoricamente, eram totais opostos. Ele mulherengo de carteirinha, amante da curtição, do álcool e fiel ao pensamento de que a vida é uma só. Ela certinha, a mais inteligente e dedicada da classe, amante de mpb e tinha como lema a praticidade pois era sempre a coisa mais sensata a se fazer. Porém, por fazerem parte do mesmo grupo de amigos e serem obrigados a conviver diariamente, se viram descobrindo uma variedade de coisas em comum, dentre elas, a maior e mais importante, o amor pelos livros. Alexandre era muito mais sensível do que se deixava mostrar, Giovanna percebeu isso no quinto mês de faculdade, quando o encontrou chorando na mesa mais escondida da biblioteca com O Pequeno Príncipe em mãos. Foi a partir desse momento que os dois se juntaram e nunca mais se desgrudaram, nem a mudança de Nero para São Paulo conseguiu afastá-los. Giovanna sorriu com esse pensamento, tinha certeza de que nada no mundo seria capaz de afastá-los. Alexandre parecia estar pensando o mesmo, porque carregava o mesmo brilho no olhar e o sorriso juvenil no rosto. Eles foram retirados da própria bolha quando ouviram passos vindos da escada dela.

"Bom dia mamãe, bom dia tio Nero" Pietro resmungou se jogando na banqueta, ficando atrás do telefone da mãe. Antonelli sorriu, se esticando pra tocar os cabelos compridos do filho, que estava na fase da rebeldia, se negando a cortá-los.

"Bom dia, príncipe, quer umas torradas?" A mulher perguntou, recebendo um aceno do menino como resposta, que se encontrava bocejando, incapaz de falar alguma coisa.

"Bom dia, Pitz" Nero falou do outro lado do celular, arrancando um suspiro do jovem garoto que se esticou pegando o celular da mãe enquanto a mesma preparava algumas torradas com geleia para ele.

"Ah não, apelidos sem sentido de novo não" O loiro falou olhando sério para o melhor amigo da mãe. Giovanna sorriu largo, ela amava a relação que os dois possuíam.

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