Aquela semana passou mais rápido que o normal. Eu via apenas o rastro das coisas que aconteciam, exatamente como aquelas cenas que o personagem do filme tem alguma lembrança, tudo em efeito sépia, eu não tinha controle de nada, mesmo sendo a protagonista.
O que aconteceu? Bom, eu não me lembro bem, mas sei que foi aquele modelo automático para mortos. A polícia chegou – será que fui eu que chamei-a? Não faço ideia. -, fizeram a perícia, embalaram o corpo. Me perguntaram algo relativo a se vai ser cremado ou enterrado. Será que não perceberam? Eu não estava ali, não era eu. Meu corpo ocupava o espaço, certo, mas meu cérebro e meus pensamentos, bom, ali não era o local deles. Eu simplesmente não sabia o que fazer, o que sentir. Era para eu chorar? Era para eu ser sensata e racional? Francamente, eu não conseguia nem ser humana. Eu simplesmente estava ali, respondendo às perguntas, acenando com a cabeça para cima e para baixo. Nem sabia o que falavam.
Resultado foi que cremaram meu pai, antes teve um velório e algumas pessoas estranhas apareceram. Eu estava lá, mas novamente, não estava. Não chorava, não falava, nem me mexia. Pedi para não abrir o caixão pois não queria vê-lo, ali, morto. O caixão era bonito, eu me lembro bem, era totalmente branco, com alças em azul. Combinação estranha. A sala do velório era limpa, sem firulas ou enfeites desnecessários. E aí acabou... O espetáculo pós-morte do meu pai chega ao fim. Todos irão seguir suas vidas como de costume, mas eu não...
Passou-se aquela semana e eu me encontrava na minha casa, deitada, com uma xícara de cappuccino à minha direita. Depois que eu recuperei a consciência e consegui processar tudo o que aconteceu eu chorei. Eu chorei por horas e horas, talvez tenha passado a metade do dia chorando. Até no momento que fui a caixa de correio ver as correspondências eu estava em lágrimas. Eu percebi que estava exausta, não me lembro se tomei banho semana passada, mas sentia que precisava de um naquele momento. Levantei, fui até o banheiro, tirei as peças de roupa, abri o chuveiro e entrei debaixo. A água que lavava meu cabelo corria pelo meu corpo inteiro, eu sentia que levava uma tristeza profunda direto para o ralo. Nunca pensei que um banho pudesse ser tão revigorante.
A carta na mesa me chama atenção. Ué, não tinha nenhum envelope quando fui conferir. Como essa carta apareceu aqui? Sento-me a mesa, pego a carta, que está guardada dentro de um papel bonito, amarelo. Rasguei-o e li:
"Ela era como uma foto de um lugar colorido em preto e branco. Como se você vesse algo mas soubesse que esse algo não é a realidade. E que no fundo, no fundo era muito mais belo. Essa era ela. "
Um belo poema ou versículo, quem quer que seja a garota para onde isto iria ou de quem isto esteja falando, parece ser interessante. Mas por que isto veio parar aqui? Pego o envelope e vejo o destinatário. Lá está escrito, com letra bem legível. Lorean Conclave Perite. Meu nome, e completo, poucos sabem o meu nome completo além do meu pai e o pessoal dos documentos obrigatórios. O envelope não tem remetente, não sabia que era aceito envelope sem remetente. Quem será que me enviou isso? E por quê? Eu não tenho nenhuma relação amorosa, ninguém que eu imagine possível de me enviar um elogio desses. Será que é uma pegadinha? Eu não faço ideia, mas quem quer que seja, acertou. Conseguiu arrancar um esboço de emoção minha.
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Gubim
Mystery / ThrillerEu sou Lorean, Deus e todos ao mesmo tempo. Esta história não é um romance adolescente, então não espere um final feliz. A realidade é crueldade, então não se impressione. O caminho que sigo realmente é errado, pois do certo sei exatamente o final...