Parte 1 - Um senhor belíssimo, porém, morto.

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Ok, são sete da manhã, acordei. É tenho muita coisa pra fazer, trabalho e... Um absurdo, minha vida resume-se a isso. Uma coisa não me sai da cabeça, que meu pai estava estranho ontem à noite, um pouco pessimista demais, ou quem sabe normal. Ele sempre foi meio cabisbaixo mesmo.

Banho tomado, o cabelo está até bonito hoje, leve como eu gosto. Abro o guarda-roupa e pego o primeiro vestido que vejo, azul até o joelho com uma listra branca na lateral. Perfeito para o dia de hoje. Meu braço já não está mais sangrando, é só passar uma maquiagem e ninguém vai notar as cicatrizes que fiz. Não gosto que notem, mas adoro elas, são parte de mim. Passo pela cozinha e pego um biscoito e um copo de suco, são oito e vinte, estou no horário. Cadê a chave? Cadê a chave do bendito carro? Ah! Achei, em baixo do balcão. Sempre perco.

Tem algo de muito estranho hoje, eu não sei o que é, mas continuo achando que tem a ver com meu pai. Enquanto ele mexia o uísque ontem, o olhar deve estava frio e ele não fazia contato visual comigo. Ele não foi tão comunicativo como sempre é, parecia estar a milhas e milhas de mim, dali da sala, ou de qualquer lugar imaginável. Resolvi deixá-lo ali. Vim embora, mas eu estou arrependida, sinto que não deveria ter feito isso. De repente eu começo a chorar, como uma menininha que não quer que ouçam, bem baixinho. Eu vou ligar para ele. Primeira ligação... ele não atende. Segunda ligação... ele não atende. Porra Pai! Onde você está? Eu vou até lá, foda-se o horário, foda-se se ele não gosta de surpresas. Tem algo muito errado, eu sei, eu sinto!

                Eu chego a casa dele já gritando o nome dele, Ramon! Paaaai! Abre aqui! Nenhuma resposta, o desespero toma conta de mim em instantes, eu bato fortemente no portão, várias vezes. O suficiente para chamar atenção do vizinho duas casas depois. Nenhuma resposta, só ouço o eco do ferro balançado, isso vai me enlouquecer, eu estou chorando compulsivamente. Num insight eu lembro que tenho a chave da porta, corro até o carro, jogo tudo da minha bolsa no banco procurando a chave. Achei! Corro até a casa, o portão é de um metal negro bonito, quase um espelho. A chave é daquelas de quatro pontas, demoro a encaixar e durante o processo me pergunto porque não toquei o interfone. Agora não importa mais, já abri a porta, atravessei a garagem e entrei em casa.

Uma catástrofe! Foi a primeira coisa que me veio à mente quando eu vi a sala toda quebrada, vidros, vasos e eletrônicos jogados no chão. A TV estava no canto da parede, em baixo da janela, dobrada como se fosse um guardanapo. A janela estava quebrada, acredito que as caixas de som a atravessaram bruscamente. O sofá estava rasgado e com manchas vermelhas que eu tento me convencer que não são de sangue. Aquela cena me chocou um pouco, fico parada na porta tentando processar toda aquela visão. De repente me lembro porque estou aqui. Paaaai! Onde o senhor está?! PAI?! Atravesso a sala e vou até o quarto dele. Foi a decisão mais errônea da minha vida, eu nunca esquecerei o que vi.


   Ele estava com os pés longe do chão, imóvel, flutuando. O que o prendia à terra era uma corda, que ligava ele ao teto. A corda laranja, sufocava sem zelo o seu pescoço em uma extremidade, na outra enrolava-se à um gancho preso ao teto. No exato centro do seu quarto, lá estava ele, vestido com seu terno mais bonito, elegantíssimo. Um senhor belíssimo, porém, morto. O meu pai, morto. Isso era o que apresentava-se aos meus olhos, o pós-espetáculo do suicídio do meu pai. Eu deveria me perguntar o porquê, por que me deixar? Por que ir? Por que não pediste ajuda? Mas tudo acabara, e eu sabia disso, apenas desmoronei-me ao chão, em um carpete branco macio, observando-o. Eu apenas olhava abismada, não me recordo do que pensei naquele momento, eu apenas não sabia o que fazer. Então me encolhi em mim mesma. Lágrimas não vinham, foi algo forte demais para ser homenageado por elas. Simplesmente não havia reação. Meu pai estava morto, falecido, sem vida. Use o adjetivo que preferir. A realidade é o que importa, e no momento, era onde eu menos queria estar.

GubimOnde histórias criam vida. Descubra agora