Eu não sei exatamente onde eu estou, meus olhos estão bem desobedientes e meu cérebro parece que dança em minha cabeça. Me sinto como se estivesse flutuando, sem gravidade, não sinto nada além de leves toques e uma sensação de estar numa onda. Meus olhos me obedecem um pouco, eu consigo abri-los e vejo um teto branco, mas ele não está parado. Tem uma lâmpada daquelas compridas atravessando na horizontal em relação a minha vista. Uma ou duas lâmpadas. E elas piscam, eu pisco também, várias vezes, para tentar assimilar se aquilo é real ou não. Minha cabeça cai para o lado e eu vejo metade do meu corpo, o lado esquerdo. Meu braço está ali, enfeixado e com pequenos tubos indo até ele, entrando através de uma seringa. Particularmente gosto. Uma visão turva do que me parece ser uma pessoa me chama atenção na minha visão periférica. Tudo ainda balança quando levanto a cabeça e tento dizer Oi. Tudo que sai é um Oh... i. Me sinto bamba, era um homem, barbudo, pele branca, vestido com um casaco azul. Sentado e escrevendo algo. Quando ele percebe que falei algo, olha para mim e sorri. Porém tem algo estranho com ele. É como se a luz pudesse atravessá-lo, como se fosse transparente. No mesmo instante que meus olhos se conectam com os deles tudo se apaga e eu desmaio. Eu morri?
Eu estou correndo em uma rua muito, mas muito longa, está de noite e eu consigo ver o fim dela e calculo que deve ter uns 100 a 200 quilômetros. Por algum motivo eu preciso chegar até o fim o mais rápido possível, eu olho para o meu pulso e um relógio azul marca a minha velocidade. 78km/h. Olho de relance para trás e vejo o mundo em destruição e uma gigantesca multidão atrás de mim. Meu deus, eu não vou chegar? Estou desesperada começo a gritar, aperto o passo e corro mais rápido. Olho pro relógio e meu desespero aumenta, agora estou a apenas 60km/h. A multidão me alcança e todos ultrapassam-me, rapidamente, eu olho nos rostos das pessoas e não vejo nada, são pessoas sem face. Isto me faz parar de correr, onde eu estou? De repente algo bate violentamente nas minhas costas. AAAH! Grito alto e acordo, e pelo visto também dou o maior susto que a enfermeira tomará na vida, tudo que está na bandeja cai e quebra-se ou se esparrama no chão. Ela põe a mão no peito, senta, e olha pra mim com os maiores e mais belos olhos que já vi na vida.
— Você está bem? Desculpa pela bandeja, vou buscar outra imediatamente. — A enfermeira parece mais preocupada do que eu, porém acho que seja eu quem deve desculpas a alguém.
— Ei! Calma aí. Não se preocupe. — Chamo ela antes que ela saia e que me deixe sem ver aqueles olhos. Ela vem até minha maca, e agora me dou conta de que estou em um hospital. As coisas ainda são confusas. Eu consigo ler em seu crachá o nome Lívia. — Se acalme, respire. Ainda estou ofegante, deixo-a falar.
— É que você me assustou muito, eu esperava que você estivesse dormindo e aí sou recebida por um grito que todo o hospital ouviu. — Ela ri, e o sorriso é quase tão belo quanto os olhos. — Você teve um pesadelo?
— Acho que sim. — Eu me deito e me aprumo, paro de olhar fixamente pra ela e penso um pouco no que aconteceu. Depois de alguns segundos consigo elaborar uma frase. — Foi bem agonizante, não sei se agonizante é a palavra certa, porém estranho. — Pessoas sem face, tão clichê hoje em dia, eu penso.— Ah, entendo. Tudo bem se não quiser falar. — Não faço questão de falar, porém porque ela achou que eu não fosse querer? — Seu cabelo é muito bonito, igual a dona. — Ela corou mais do que deveria nessa hora, seus lindos olhos ficaram mínimos. Ela percebeu que percebi. Em poucos segundos eu gostei da conexão que tivemos, me sinto bem. — Então, eu vou limpar isso aqui. — Falou rapidamente para mudar de assunto e foi ao chão. Achei isso encantador, ela corada e envergonhada. Virei de lado e fiquei observando enquanto ela limpava aquela sujeira. — Você pode me dizer o que aconteceu comigo? — Perguntei.
— Claro, deixa eu levar essa sujeira e trazer seu jantar, e aí te conto os detalhes. Um minuto. — Ela sai e eu volto a deitar na cama, fico com a cabeça vaga por alguns instantes e aí me lembro do homem que estava ao lado da minha maca escrevendo. Viro minha cabeça quase tão rápido quanto meu pensamento e não vejo nada. Apenas a cadeira de acompanhante ao lado da maca, mas vazia. Eu me pergunto se ele fazia parte do sonho e eu apenas esteja achando que essa parte foi real. Mas parecia tão real, quase eu poderia tocá-lo, parecia tão verdadeiro, tão único...Os pensamentos rodeiam-me enquanto a espero. Não são pensamentos, são alucinações. Vago pelo nada, sem nenhum tipo de pensamento concreto ou resposta útil. Apenas eu em minha consciência.
Ela volta ao quarto — Olá senhorita Perite, trouxe seu jantar. — O cheiro é bom, parece coisa salgada, vejamos...
— O que tem aqui? — Ela põe a bandeja em cima de mim e tira a tampa. Temos suco de laranja e água. Um pouco de pudim, um sanduíche natural com queijo. E uma porção de morangos. — Como vocês sabem do que eu gosto?
— Ora, quando a senhora assinou o plano, preencheu um formulário com algumas comidas que gosta e que quisesse que fossem servidas quando estiveres aqui.
— É verdade, tanto tempo que não venho a este hospital. A propósito, pode me chamar de Lorean e de você... Agora pode me dizer o que houve comigo?
— Você não se lembra de nada? — Penso e me recordo apenas de ter desmaiado ontem ou antes de ontem em casa, com o braço sangrando. Porém não respondo, apenas aceno a cabeça negativamente. — Bom, então foi assim, você se cortou bastante ontem à noite, ligou para a emergência e uma ambulância foi até sua casa, lhe pegou e trouxe até o hospital que a senhora tem plano. E aí lhe demos remédio para dormir para que pudéssemos costurar seu braço. E aí você me acordou com um baita susto assim que vim ver seu estado. Mas não se preocupe, não foi nada grave. Amanhã de tarde você estará de alta.
— Tudo bem, devo ter exagerado um pouco. — Volto-me para a comida e como o jantar. Realmente estava faminta. A moça dos olhos de maça permanece no quarto, preenchendo alguns papeis e me olhando uma vez ou outra, achando que não estou percebendo. — Eu vou poder ir só para casa?
— Acredito que não, não tem alguém que possa vim lhe buscar? — ela responde.
— Infelizmente não. — Meu pai acabara de cometer suicídio e toda a minha família mora longe. "Toda" a minha família. Como se fosse algo grande. Ou útil. Mas evito dar esses detalhes. — Moro só. — Posso ver a expressão de preocupação e dúvida no rosto dela. Ela parece um pouco pensativa, e demora a responder. — Olha, isso não é profissional e talvez eu fosse punida caso a direção soubesse. Porém, caso a senho... Caso você não se importe de esperar algumas poucas horas, posso lhe levar em casa, meu plantão termina as sete. O que acha?
— Eu adoraria. — Digo e pisco para ela, ela retribui com um sorriso tímido. Aviso que já terminei a refeição e ela pega a bandeja e se dirige a porta. Porém antes dela sair a chamo: — Lívia?
Ela se vira. — Oi?
— Quem era aquele homem que hoje, enquanto ainda era de dia, estava sentado naquela cadeira e escrevendo algo? Era visita?
— Ninguém veio lhe visitar hoje, Lorean.
— Mesmo?
— Sim, sou eu quem cuido das visitas do seu quarto.
— Tem certeza? Eu posso jurar que tinha um homem alto, com uma barba pequena, casaco azul sentado aqui no meu quarto. Você não viu ninguém assim?
— Não, porém vou perguntar se alguém viu um sujeito assim. Mas, Lorean, o sistema de segurança daqui é eficiente, e eu saberia se alguém viesse lhe ver...
— Tudo bem, não importa. — Será que eu estou delirando? Realmente foi um sonho. Mas eu não queria que fosse. E por que eu desmaiei assim que olhei nos olhos dele?
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Um homem principal aparecerá na história, porém ainda não sei qual nome dar. Alguma sugestão?
Contem-me suas opiniões sobre Gubim e o Capítulo 4.
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Gubim
Mystery / ThrillerEu sou Lorean, Deus e todos ao mesmo tempo. Esta história não é um romance adolescente, então não espere um final feliz. A realidade é crueldade, então não se impressione. O caminho que sigo realmente é errado, pois do certo sei exatamente o final...