Cara Mia

Capítulo 7

"Willa, eu acho que estou morrendo..."

"Você não está morrendo, somente sendo dramática." - Wednesday tirou o termômetro da boca de Enid, verificando a temperatura - "41.8. A febre está retrocedendo."

Para uma pessoa normal, qualquer temperatura acima dos 38ºC acenderia sinais de alerta, mas essa máxima não valia para os licanos que naturalmente possuem temperatura corporal acima da média.

Wednesday sabia como cuidar das fortes gripes que raramente atingiam Enid, uma febre de até 40º era totalmente administrável. Porém, num certo momento o termômetro atingiu 43 º graus, indicando que Enid não estava nada bem e o evento particular causou outro evento de natureza quase inexplicável, um registro de uma Addams ser tomada pelo desespero e recorrer à religião, implorando por qualquer auxílio divino para recuperação da mulher adoecida.

Mas aquilo foi somente um quase, pois um Addams jamais se dobraria para algo tão inútil como rezas vazias, principalmente por possuírem o dom da racionalidade e um vasto conhecimento em áreas úteis para qualquer ser vivo.

Por isso, por mais medo que tivesse, Wednesday confiou no conhecimento ancestral adquirido, insistiu nos banhos quentes com alecrim e bastante hidratação - com o pequeno toque especial da poção da vovó Addams, acompanhado por um potente analgésico. 

Demorou até o efeito desejado aparecer, mas assim que veio a temperatura corporal diminuiu num ritmo constante e os sintomas físicos eram menos piores do que antes, o que trouxe alívio para Enid e Wednesday.

"Eu odeio ficar doente!" - Enid fungou, assoando o nariz ranhento e entupido - "Me sinto um lixo, minhas articulações doem muito..." - a voz era manhosa e arrastada.

"Você foi negligente, não tomou corretamente os suplementos e vitaminas." - apesar do tom duro, Wednesday fazia carinho na cabeça loira que estava quase toda escondida debaixo do cobertor.

"Eu tenho somente 24 anos, estou no auge da minha juventude!" - Enid começou a tossir, Wednesday girou os olhos em consternação. 

"Sim, mas até mesmo você está suscetível às bruscas mudanças no clima causadas pela burrice humana. Por isso, precisa me ouvir e tomar as vitaminas."

Os olhos de Enid brilhavam, mas não era o brilho normalmente ligado a sua alegria estonteante, mas sim a lacrimação sintomática da forte coriza.

"Culpada..." - o beicinho tristonho de Enid demonstrou a derrota.

"Exato." - Wednesday sentou ao lado do corpo da mulher doente, mantendo o afago nos cabelos loiros - "Deite sua cabeça no meu colo, uma altura maior que o travesseiro vai ajudá-la a respirar melhor."

Enid fez o que lhe foi instruído, aproveitando o momento de aconchego para fechar os olhos que doíam devido à claridade que insistia passar pelas grossas cortinas do quarto.

"Não era para você estar escrevendo?" - a voz sonolenta questionou, sentindo o corpo dolorido sucumbir aos poucos, principalmente pela sensação relaxante causada pelos dedos de Wednesday sobre o couro cabeludo.

"Me dei algumas horas de folga." - os olhos atentos de Wednesday não abandonaram o rosto praticamente adormecido de Enid - "Tente descansar um pouco, quando acordar lhe servirei canja de galinha. De acordo com os saberes populares, uma canja de galinha espanta qualquer gripe."

Wednesday sabia que o saber não possuía qualquer respaldo científico, pois o que curaria efetivamente Enid seria  hidratação, repouso constante e um bom analgésico - além da poção secreta da vovó, que tem a fama de levantar qualquer defunto.

Mas os poderes curativos da canja de galinha não fazia diferença no momento. Cozinhar uma refeição com gostinho de comida caseira era um gesto muito apreciado, mesmo que a canja de galinha não curasse uma gripe, seria a responsável pelo afago no coração e estômago da sua companheira adoecida.