Capítulo 28

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- Academia Nevermore, durante algum momento no verão -

Enid imaginava que a memória funcionava igual uma caixa dentro da sua cabeça, cheia de gavetas onde eram guardados os fragmentos de boas e más experiências.

Numa certa madrugada, Enid foi despertada durante uma tempestade de verão particularmente horripilante. O susto afugentou o sono da licana, fazendo a garota inconscientemente vasculhar as gavetas dentro de sua cabeça, buscando uma forma para se distrair dos sons barulhentos da chuva.

Mas a inocente curiosidade da madrugada fez a jovem descobrir algo incômodo relacionado às as memórias, principalmente aquelas ligadas a sua infância.

Enid percebeu que não tinha lembranças muito felizes.

Quando abriu a primeira gaveta, se deparou com uma memória a qual não fazia ideia de sua existência. Era relacionada à primeira experiência com uma tempestade quando criança. Enid se lembrou do clarão, o estrondo assustador e os choramingos medrosos, enquanto permanecia agarrada ao pai buscando por conforto.

Porém, o que ficou gravado no fundo do cérebro era a voz irritada de sua mãe, dizendo que licantropos não podiam sentir medo de uma tempestade boba.

"Pare de choramingos! Lobisomens fortes não tem medo de uma chuvinha qualquer! Pare de chorar, cachorrinha medrosa!"

Depois daquele flash outra gaveta se abriu, onde outra memória pulou sem qualquer permissão. Era sobre a primeira vez que Enid havia presenciado a matilha se transformar durante a lua cheia. Os sons de gemidos, dos ossos da forma humana se rompendo para dar lugar à forma lupina, os uivos animalescos ecoando pela noite, o forte cheiro de sangue da carcaça de um alce caçado por seus familiares.

Enid se lembrou do horror daquela noite, como tentou tapar os olhos e os ouvidos para não presenciar a cena tão comum para os espécimes de sua família, mas para uma criancinha de apenas 5 anos parecia algo retirado de um filme de horror. Dentro daquela memória particular, a licana se lembrou dos rosnados da mãe, do focinho ensanguentado cutucando seu rosto para fazê-la encarar a realidade do bando, ela conseguia lembrar do calor emanado do pedaço cru de carne jogado aos seus pés.

Naquela noite Enid chorou assustada e correu para dentro de casa, se escondendo no meio dos vários ursinhos de pelúcia até o amanhecer. Na manhã seguinte, a mãe havia lhe ignorando completamente, se recusando a servir o café da manhã para a pequena menina medrosa, entregando sua parte para os irmãos mais velhos como punição por fazê-la se envergonhar perante o bando. Era como se Enid não existisse.

Durante aquela época, pequena licana não compreendia as intenções repressivas, mas as palavras e gestos cruéis de Esther foram se acumulando no passar dos anos até preencher uma parte significativa do coração de Enid.

A tempestade de verão, que batia violentamente contra a janela da torre da ala Ofélia, foi uma espécie de gatilho, fazendo Enid abrir de uma só vez diversas gavetas repletas de memórias traumáticas.

De repente, Enid se sentiu perdida numa espécie de escuridão que nunca havia presenciado antes, ficando assustada igual uma filhote que abandonada pelo dono durante a tempestade.

Enid se sentiu completamente sozinha.

Uma nova tormenta havia se iniciado do outro lado do dormitório, quando Wednesday cruzou a distância que separava ela de Enid. Por mais que licana tentasse abafar os choramingos contra o travesseiro, os sons ultrapassaram o estrondo da tempestade, chegando ao ouvido atento da jovem Addams.

Assim que Wednesday subiu sobre a cama colorida, tentou confortar a colega de quarto/melhor amiga/namorada da melhor maneira possível. Foi a primeira vez, desde os episódios traumáticos contra Crackstone, que Wednesday presenciou o lado vulnerável da companheira. Ela não estava familiarizada em confortar pessoas, mas tentou fazer o melhor que podia, sabendo que Enid precisaria somente de sua presença física para se acalmar.

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