30/10/2022 — 00h13 — MonStRuoCiDadE
— Liberty Club. É esse o lugar? — me encarou pelo retrovisor enquanto provavelmente pensava algo como "por que esse retardado tá com a cara pintada de caveira?".
— É sim, amigão. Valeu aí! É... Boa noite aí! — abro a porta e saio do carro.
— Boa festa, garoto! hahaOlhei para cima e vi que logo na entrada havia uma enorme estátua igualzinha a de Nova Iorque. Com um pouquinho de esforço daria pra ver a calcinha da dona liberdade, mas isso não era meu foco naquela noite. Mostrei meu ingresso e subi as escadas. Porra! Eu deveria ter vindo chapado de casa! Aquilo era um mar de gente e eu não tava afim de bancar o cosplay de Moisés. Caminhei com dificuldade entre algumas pessoas, esbarrando numa mina aqui, derrubando um balde de cerveja ali. Teve até um retardado que me encarou e fez arminha com o dedo apontando pra própria cabeça. Eu o imitei, é claro! Vai que é doença... Quando finalmente parei em um canto, uma doidona subiu no palco, parou a música e pegou o microfone.
— Boa noite, seus arrombados!!! Foi aqui que pediram uma surra de nostalgia essa noite? Isso é HallowEmo porra!!!
Depois do grito eufórico, a e-girl lançou uma música da Avril levando à loucura todas as outras da sua espécie. Não era bem esse o tipo de nostalgia que eu procurava, mas era o que dava pra mim em final de mês. Tinha muita gente esquisita em volta, mas também tinha uma ou outra garota que dava aulas! Tipo aquela logo ali...
A dona de um cabelão preto com uma única mecha vermelha. Ela pulava e jogava aquele cabelo como uma maldita sereia. E é claro, não poderia esquecer da imagem mais marcante: aqueles peitões balançando por baixo da blusinha de tule, espremidos por um arnês em formato de pentagrama invertido. Era impossível não travar com aquela visão. Pra minha sorte, a música voltou pro refrão bem na hora em que ela parou os olhos em mim.
Hey, hey! You, you! I don't like your girlfriend
No way! No way! I think you need a new one
Hey, hey! You, you! I can be your girlfriend!
Ver aquela boquinha pintada de preto e desenhada cantando aquelas palavras... não teve preço! É nesse momento, meus amigos, que vocês me perguntam: você não seria capaz de pular e cantar essa música feito um baitola só pra chegar na gostosa, não é? Enquanto essa dúvida pairava na sua mente, eu já estava lá. E é claro que ela riu da minha cara! Quem não iria?— O Tate tá esquisito...
O não eu já tinha, então fui em busca da humilhação. Ela pegou o celular e começou a me gravar. Eu sei que vocês não vão me julgar, afinal que homem não faz loucuras por amor?
— Na verdade eu vim perguntar se você tava afim de ser a minha Violet por uma noite. — Tentei ajeitar a postura sem sucesso.
— Porra, cara! Dava pra ser melhor nessa... Caralho, minha músicaaa!!! Me grava!!!Ela deu o celular na minha mão enquanto ouvi as primeiras notas daquela do Evanescence. Apertei o botão e comecei a gravação, mas logo perdi o foco, porque aquilo ali era coisa demais pra ver apenas por uma tela. O jeito que ela apertava os punhos e dobrava os braços como se tivesse malhando bíceps era foda! Toda a letra da música na ponta da língua e das próteses de canino imitando presas de vampira e tudo o que eu queria era que ela me sugasse até a morte.
— Wake me up! — eu gritei.
— Wake me up inside! — ela gritou.
— I can't wake up! — gritei de volta.
— Wake me up inside! — ela gritou.
— Save me!
— Call my name and save me from the dark — cantamos com nossos rostos tão perto... chegou a hora do agora ou nunca!— Me dá isso aqui! — ele tomou o celular da minha mão e abriu a galeria para ver o vídeo. — Ficou todo tremido... Você é sempre inútil assim? — ergueu a sobrancelha e me encarou com desdém.
— Posso te pagar uma bebida pra compensar seus stories frustrados?
— Tô começando a gostar de você! Anda! Acho bom estar com bastante grana. — sorriu e pegou minha mão.Ela foi abrindo caminho me arrastando na direção do bar, que estava incrivelmente sem fila. Caramba! As pessoas gostavam mesmo daquelas músicas! Até agora não tinha nada ali tão interessante quanto ela. A garota conhecia cada cantinho do lugar como a palma da própria mão. Já eu me sentia perdido em um labirinto enquanto ela me conduzia passando por portas, subindo e descendo escadas.
A cada cinco passos, um gole de ice, cerveja, vodka com energético. A cada dez passos, a gente para no meio da multidão pra dançar e gritar ao som de alguma música muito boa. Em todos esses passos ela ficou comigo, tão perto e ao mesmo tempo tão inalcançável. A cada piscar de olhos, meia hora passava no relógio. Perdendo a batalha contra o tempo. Meu medo ganhando força que nem o perfume cada vez mais potente na pele daquela deusa.Meia hora pro fim de festa e o mundo (literalmente) girando ao meu favor. Eu tinha um plano: chegar nela, beijar ela, levar ela pra casa e dormir com ela. Minhas mãos suando frio. Ela me olhou. Eu me aproximei e peguei na sua cintura. Os rostos chegando mais perto, até que ela desviou. Sua orelha parou ao lado da minha boca e eu disse:
Vamo l
á em casa
Deixou escapar uma risada gostosa no ar. Então foi a sua vez de falar:
Tudo o que quiser o cara lá de cima vai te dar...
Me encontra na darkroom lá em cima
Se soltou do meu abraço e foi andando até a escada. A segui feito besta. Um passo após o outro subi os degraus. Uma porrada de gente descendo. Empurrões. Aperto. Tontura. Me segurei na parede. Depois de mais três degraus, ela ia mergulhando na escuridão embaixo do terraço da última pista. Eu mergulhei também. Então tudo aconteceu.Fui puxado. Seus dedos correndo por todo meu corpo. Muito calor. Meu corpo duro da cabeça ao... pé. Seu corpo colado no meu. O perfume em seu pescoço. O prazer na sua risada. Depois de uma noite inteira finalmente seus lábios encontraram os meus. Minha consciência derreteu com tanto calor e escorreu pela minha cabeça junto com nosso suor. Só que aí, meus amigos... Eu caí na real quando aquela barba espetou meu rosto.
Corri pra fora dali. Coração acelerado! Que merda foi essa?
— O que houve, gatinho? Cê tava tão animado...
Veio para cima de mim um maluco de quase dois metros fantasiado de... Jesus? Achei que estava louco, mas não. A mão doendo. Ele caiu no chão.O cara socou o Senhor
Alguém tira esse cara daqui!
Você tá bem?Calma, já vai acabar o set! Tá na última música!
Alguém ajuda Jesus por favor?!
É Linkin Park porra!!!
Caralho, o uber cancelou a corrida de novo!
I tried so hard and got so far
But in the end it doesn't even matter
Minha cabeça parou de rodar com o barulho da festa inteira cantando o refrão. Do piso do darkroom eu tinha uma visão ampla de todos os andares. Dali dava pra ver o primeiro raio de sol do dia, reluzindo no cabelo do baitola que eu soquei e estava do meu lado batendo cabeça. Também vi a dona liberdade, dessa vez de costas pra mim. E por último, mas não menos importante: eu vi a garota beijando outro cara e indo embora dali.— E conhecereis a verdade e a verdade vos libertarás! — o cabeludo me envolveu em seu abraço. — Vai pra casa, Marlon! Você trabalha já já!
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MonStRuoCiDadE - OCASO
TerrorVocê é a sombra, que mora com as sombras às margens, que viaja com as sombras embaixo do chão. Sombras aglomeradas em filas mancham as ruas de escuridão. Sombras que chegam ao centro bem cedo, bem antes de anoitecer. Sombra vigiada e temida aonde qu...