A música alta havia começado a incomodar por volta das quatro da manhã. Por isso, logo que o relógio marcou seis horas, a primeira coisa que o homem de cabelos ruivos, de um tom de laranja queimado e belos olhos verdes fez, foi entrar no quarto da filha e se encaminhar com passos decididos até o aparelho de som. E então desligá-lo, antes de acordar a garota, que resmungou em protesto à falta da música, embora sem nem ao menos dar sinais de acordar.
_Não resmungue para mim, mocinha. Você vai se atrasar de novo._O mais velho retrucou, abrindo as cortinas, de modo a deixar que a luz do sol invadisse o ambiente.
_Você resmunga mais do que eu._A morena falou, em meio a um bocejo, enquanto se sentava, lutando para afastar os cachos negros e rebeldes do rosto, de modo que pôde lançar um olhar torto para o pai._É um velho resmungão._Acusou.
Isso fez Miguel, que aparentava estar por volta dos trinta e poucos anos, rir baixo.
_Eu já era velho quando você nasceu, Nat. Tenho o direito de ser resmungão._Se justificou._E o que foi que nós havíamos combinado sobre música?
A morena torceu a boca por um instante.
_Sem som alto depois das dez._Murmurou, aborrecida, olhando para o outro lado.
_E então...?
Demorou tanto tempo para que a menina respondesse, que seu pai estava quase refazendo a pergunta, quando ela disse:
_A música não me deixa ter pesadelos.
O silêncio que se seguiu após a declaração da menina de treze anos foi longo o suficiente para se pensar que seu pai sairia sem dizer mais nada. No entanto, o que Miguel fez foi se aproximar e sentar na beirada da cama, ao lado da filha.
_Pensei que eles tivessem parado._Comentou, em uma voz suave. A garota de treze anos suspirou e coçou um dos olhos, cuja as iris possuiam o mesmo tom de verde do pai.
_Pararam, por um tempo. Mas eles sempre voltam._A menina respondeu, em voz baixa, depois olhou para o mais velho._Mas está tudo bem, porque são só sonhos, não são?_Acrescentou, como se precisasse de uma confirmação.
Miguel hesitou por um segundo.
_Sim, Nat. São só sonhos._Declarou, em voz baixa._Mas sua mãe não diz nada sobre eles?
_Ela diz que eu preciso estar pronta._Nemesis respondeu, depois de hesitar por alguns segundos, como se buscasse as palavras em sua memória.
_Sua mãe e eu discordamos em muita coisa, Nat._O ruivo começou, se levantando._Mas se ela diz que você deve estar pronta, então sugiro que vá se trocar pra ir pra escola, e rápido._Completou, trazendo de volta o foco do assunto anterior tão inesperadamente, que fez a menina rir.
_Ok, ok. Já vou._Ela concordou, afastando as cobertas e jogando as pernas para fora da cama.
_E rápido._Seu pai insistiu, se levantando também e caminhando na direção da porta.
Natasha revirou os olhos, muito mais bem humorada do que minutos atrás, quando havia acabado de acordar.Bom humor esse que só foi aumentando, principalmente quando a morena entrou na cozinha e se deparou com uma visita rara, porém sempre agradável.
_Tio Aaron!_Chamou, animada, correndo para abraçar o rapaz loiro que observava o irmão descascar uma laranja, com ar de curiosidade nos olhos azulados, que se voltaram imediatamente na direção da sobrinha, ao ouvir sua voz.
_Natasha!_O rapaz exclamou, parecendo atordoado por um segundo, mas em seguida sorrindo._Pelo Pai, como você cresceu!_Comentou, abismado, retribuindo ao abraço da morena, que riu._Não, sério. O que seu pai tem te dado pra comer?_Indagou, pasmo, então olhou para o maior._O que você tem dado pra essa criança de alimento?_Exigiu saber, francamente impressionado.
Miguel deu de ombros, com um ar de descaso, enquanto jogava os pedaços da laranja em um liquidificador, junto com água e algumas folhas do que parecia ser couve.
_Só o essencial, você sabe: Fermento, bastante água, clorofila e luz do sol..._Listou. E por incrível que pareça, o loiro pareceu por acreditar, por cerca de quase cinco segundos, até que Natasha riu e correu pegar um pacote de bolachas no armário.
_A culpa é sua, por passar tanto tempo sem vir visitar. Fazia quase dois anos!_A menina acusou, abrindo o pacote enquanto lançava um olhar de censura para o tio.
_Quase dois anos?_Aaron franziu a testa por um segundo, então arregalou os olhos, parecendo surpreso._Nossa, o tempo passa rápido por aqui. Como você se acostumou?_Perguntou, para o ruivo, se sentando à mesa, junto com Natasha e recebendo como resposta outro dar de ombros do mais velho. O loiro suspirou, depois olhou para a sobrinha novamente e sorriu, de forma gentil._Eu estava trabalhando._Explicou, com suavidade.
_É, eu sei. Meu pai me disse._Ela respondeu, sorrindo para o loiro, o que pareceu tirar a sensação de culpa que ele estava começando a sentir._Mas você trabalha demais, devia tirar umas férias._Acrescentou, levantando para pegar copos, assim que seu pai ligou o liquidificador e cortou a conversa dos dois, com o barulho.
Aaron lançou um olhar de censura as costas do irmão. Sabia que o homem de olhos verdes só havia começado aquele barulho pra impedir o que seria um sermão do mais novo, ressaltando que ele não teria que trabalhar tanto se Miguel estivesse fazendo o próprio trabalho, como deveria fazer.
E evitando assim também que Natasha o chamasse de folgado ou abusado, por deixar seu trabalho para o irmão mais novo lidar.E quando a adolescente de olhos esverdeados finalmente se despediu dos mais velhos, agarrando sua mochila e correndo para a porta enquanto tentava enfiar um pão inteiro na boca, Aaron esperou que seu irmão voltasse para a cozinha, de onde podia ouvi-lo gritar para que a filha tomasse cuidado com o caminho e não caísse da bicicleta, então puxou uma cadeira e se sentou, de frente para o mais velho.
_Esse tempo passa muito rápido._Comentou, em voz baixa, desviando os olhos azulados dos verdes do irmão e olhando pela janela sobre a pia._Parece ter sido ontem mesmo, que vi você a carregando no colo, para lá e para cá._Completou, com um toque de nostalgia na voz branda.
O mais velho riu baixinho.
_É... E você queria que eu a deixasse com qualquer um. Ou em um orfanato._Lembrou, no mesmo tom que o irmão usava. E apesar de não ser algo agradável de pronunciar, não havia qualquer vestígio de acusação ou raiva na voz de Miguel.
_Você tinha... Tem outras responsabilidades a cumprir. Não achei que você fosse conseguir, ser um simples pai de família e ao mesmo tempo continuar seu trabalho. O que, de fato, não aconteceu. Você apenas jogou tudo para o alto e fugiu das suas responsabilidades._Aaron retrucou, voltando seus olhos para o ruivo a tempo de ver a careta que ele fazia, como se tivesse acabado de levar um tapa do menor._Valeu a pena, Miguel?_O loiro perguntou, logo em seguida, após uma hesitação quase inexistente de tão curta, que confundiu o irmão, por um segundo.
_Se valeu a pena?_Ele repetiu, considerando a pergunta, como se nunca tivesse pensado nisso e estivesse se lembrando de tudo o que havia passado pelos últimos treze anos, junto da filha._Sim._Declarou, por fim, encarado os olhos azuis do irmão._Valeu cada segundo, cada gota de sangue, suor ou lágrima._Afirmou, colocando todo seu poder sobre as palavras.
_E quando você pretende contar tudo para ela?_O mais novo indagou, em voz baixa. Miguel suspirou, pensativo por um segundo, então riu baixo.
_Ela não é boba, Aaron. Na verdade, pussui uma inteligência tão demoníaca quanto à de sua mãe, senão mais._Falou, com um sorriso brincando em seus lábios._Além do mais, Gyanna sempre conversa que ela. Me surpreenderia se Natasha já não souber mais do que eu próprio, você e nossos irmãos._Brincou.
Aaron, no entanto, franziu a testa, parecendo preocupado com a hipótese.