IV

21 1 1
                                    

O ar que recebeu Natasha após a passagem pelos portões não foi escaldante, nem ao menos morno. O que a recebeu foi uma penumbra onde seus passos ecoavam e reverberavam pelo ar frio e úmido, até que o som morresse no infinito daquela escuridão.
_A Estrada do Julgamento._Uma das gêmeas, a morena não saberia dizer qual, sussurrou._É o caminho mais rápido para qualquer lugar. São poucos os que tem acesso e ele simplesmente se abriu para você, milady._Sua voz demonstrava certa surpresa.
_E isso é ruim?_A mais velha perguntou, franzindo as sobrancelhas, de forma apreensiva e ao mesmo tempo curiosa, lançando um olhar para as sombras que eram as crianças que a acompanhavam e seus gatos, cujos os olhos cintilavam de forma sinistra na falta de iluminação.
_É uma honra._A resposta flutuou até ela, em um tom ligeiramente mais mélódico que o anterior._Pense em vossa mãe, Milady. O que quer que saiba ou lembre-se dela. Já que vieram ao seu encontro por vontade própria, creio que as sombras da Estrada do Julgamento ão de lhe obedecer, assim como obedecem aos quatro cavaleiros.
_Oh._Franzindo ainda mais as sobrancelhas, Natasha voltou a olhar para frente, encarando o ar negro que se estendia infinitamente._Ok._Concordou, em um tom baixo demais para que alguém além dela mesma ouvisse. Então, devagar, ela suspirou, fechando os olhos e deixando que a sensação da escuridão tocando seus braços se espalhasse pelo resto do corpo, como água fria. Por trás das pálpebras, pôde ver um tom frio e claro de azul, sentiu o cheiro de neve fresca e relembrou o som da voz que a acompanhava em seus sonhos, quando estes não eram pesadelos.
Soltando a respiração pela boca, na forma de uma pequena nuvem de névoa, a mestiça deu um passo à frente.
_...o que os tornam tão importantes assim?_Uma voz rouca e feminina cortou o silêncio que antes reinava ao redor das garotas._De todos os animais, são os mais fracos, inúteis. Não são rápidos, nao fortes, não tem qualquer propósito. Então porque os Deuses tem tanto apreço por eles?
_Seu ódio por eles os torna importante, Ardorys._A voz sem emoção, baixa e atraente por sua fala arrastada, fez com que a garota abrisse os olhos verdes, dando de cara com uma porta de um material negro que ela não reconhecia._Os Deuses não se importam com ninguém além deles mesmos. Eventualmente, agraciam um humano com Glória ou Sofrimento, por diversão._O tilintar de vidro._Eventualmente, anjos ou demônios fazem isso. Não gaste seu tempo com eles.
_Estamos em guerra por culpa deles, Gyanna._A primeira voz soou irritada.
_

Sim. Mas agora, Ardorys, eu gostaria de lhe apresentar minha filha._A voz de Gyanna foi um ronronar, que calou a outra por algum tempo.
_Filha?_Ardorys, a Cavaleira que simbolizava o fogo, Guerra, repetiu, atônita.
E antes que Natasha pudesse impedi-las, Reyko e Ryoko tomaram a frente e abriram a porta de que estavam diante, revelando um aposento em claro, completamente feito de gelo, onde as duas mulheres conversavam.
A mais próxima à porta, possuía um cabelo curto em cachos vermelhos como sangue e rebeldes, junto aos olhos, daquele mesmo tom perturbador de vermelho, a cor contrastava com sua pele negra como onix, a tornando uma criatura de beleza e sensualidade, mas também cruel e selvagem. A segunda era o completo oposto: Seu cabelo era tão negro que podia ser considerado azul, tão liso que escorria por seus ombros, pra baixo dos quadris, como água, e deixando a pele pálida ainda mais branca, os olhos de um azul tão claro que eram quase brancos, a expressão vazia. O mistério que cercava sua beleza a tornavam assustadora. Assim como a morte.
_Natasha._A garota de olhos verdes se arrepiou, ao ouvir a voz que povoava seus sonhos sair dos lábios daquela mulher de olhos tão frios._É bom vê-la pessoalmente, depois de tantos anos._Gyanna levantou-se do trono de cristais de gelo, com elegância._Espero que sua viagem até aqui não tenha sido turbulenta.
Algo dentro da garota se agitou. Com uma confiança que ela só julgava possuir entre alguns de seus amigos, ela adentrou o aposento frio, embora a temperatura na verdade lhe parecesse agradavelmente fresca. Em sua cola, entraram Yoru e Yuki, e as gêmeas, que deixaram com que a porta se fechasse sozinha.
_Conheci o filho de Ira e Luxúria no caminho._Respondeu, com uma calma que não julgava que fosse possuir, diante do olhar penetrante de Ardorys._Foi uma viagem rápida._Declarou, postando-se diante da morena e encarando seus olhos absurdamente claros._Mãe._Sussurrou, sabendo que não haveria um sorriso ou um abraço a esperar. De fato, Natasha surpreendeu-se quando a demônio estendeu uma das mãos e a pousou em sua bochecha, com leveza, embora sua expressão vazia não se alterasse.
_Seja bem vinda ao seu verdadeiro mundo, Nemesis._A senhora da morte daquele mundo saudou, em um tom que até poderia ser considerado orgulhoso.
Aquelas palavras foram o gatilho da explosão.

NêmesisOnde histórias criam vida. Descubra agora