Quando a garota finalmente abriu os olhos vermelhos novamente, ela não fazia ideia de onde realmente estava e quanto tempo havia se passado desde que havia... Desmaiado? Dormido? Apagado? Ela só sabia que se encontrava cercada pela mais absoluta escuridão e maciez. A maciez que parecia ser de um colchão, sob sua barriga e o peso de algo grande, volumoso, sobre suas costas, a envolvendo da cabeça aos pés, caindo ao redor de seu corpo como uma manta.
Um cobertor, Natasha supôs, ainda grogue de sono e levemente zonza, algo que fazia com que ela tivesse a impressão de estar gripada e a impediu de lembrar imediatamente tudo pelo que havia passado antes de se encontrar naquele lugar escuro. Em sua consciência semi desperta, aquele lugar era seu quarto, com as luzes apagadas, no meio da noite. E somente quando ela ergueu o tronco, na intenção se sentar-se e ouviu um farfalhar suave e, ao mesmo tempo sentiu uma parte de seu corpo mover-se por vontade própria, algo mudando de posição e peso, foi que ela se lembrou e olhou para trás, tão rápido que quase caiu de onde estava e viu, delineada contra a escuridão, o contorno difuso de algo grande em suas costas.
As asas.
Não houve pânico. A morena apenas arfou e congelou, na posição em que estava, olhando fixamente na direção daquilo, tentando acreditar que algo daquele tamanho realmente estava preso a ela e que não era pesado como sua arqueadura faria acreditar. E enquanto olhava, aos poucos as sombras tomavam forma ao seu redor e Natasha pôde identificar o contorno difuso de uma estante, o que poderia ser uma mesa... E então, tão subitamente quanto a garota havia acordado, o quarto iluminou-se, sem qualquer som de aviso ou comando, fazendo a garota soltar uma exclamação de susto e reclamação, ao mesmo tempo erguendo um dos braços e, sem perceber, movendo uma das asas, o que a colocou imediatamente em uma sombra confortável o suficiente para que voltasse a abrir os olhos e visse, paradas próximas à cama, as gêmeas que haviam a acompanhado ao submundo. E logo atrás dela, alguém novo, um homem de pele cor de avelã, cabelos negros e insondáveis olhos castanhos.
_Nemesis._A voz dele vibrou em um sotaque agradável, ainda que impossível de identificar._É um prazer finalmente conhecê-la.
Um pequeno arrepio de desconfiança e então, devagar, a mestiça baixou o braço e a asa, devagar, sem desviar os olhos do desconhecido.
_Quem é você?_Indagou, em um tom tão calmo, que chegou a surpreender a si mesma._Você... É diferente delas. Tem cheiro de couro._Acrescentou, enquanto se sentava.
_Ah, bem observado._O moreno elogiou e, com um movimento elegante, sentou-se aos pés da cama._Meu nome é Chain. O primeiro demônio por criação e, a partir de agora, você está sob minha responsabilidade._O tom era manso, a expressão neutra, inalterada.
_Chain._Natasha repetiu, devagar._Aquele Chain? Irmão de Abel?
Um pequeno sorriso de aprovação.
_Sim. Aquele Chain._O demônio repetiu, concordando, enquanto desviava os olhos por um segundo para Reiko e Ryoko, que haviam se colocado uma de cada lado de sua senhora._E sua mãe ordenou que eu a treinasse.
Alguns segundos de puro silêncio.
_Ordenou?
_Não se pode negar um pedido da senhora dos mortos, Nêmesis.
_Olha, você pode, por favor, parar de me chamar assim? Meu nome é Nat..._As palavras ficaram presas na garganta da morena ao ouvir um som alto, como o de vidro se quebrando. Depois tudo ficou escuro, exceto por uma brilhante linha vermelha, atada ao pulso de Natasha e uma criança, ao longe, com uma tesoura. Entorpecida, a morena viu a criança segura o fio, com delicadeza e o cortar.
Imediatamente a linha explodiu em chamas, que se espalharam e giraram ao seu redor, como um enxame de vaga-lumes, ao mesmo tempo em que algo explodia dentro de Natasha, algo que ela nem sabia possuir e agora havia sido destruído.
Foi o grito que a trouxe de volta para aquele quarto.
Um grito agudo, de dor física, como se quem estivesse gritando tivesse sido rasgado em tiras. E Natasha só percebeu que era ela a dona daquele grito, quando sentiu algo queimar-lhe o pulso e, ao olhar, viu nítida contra a pele clara, a marca de onde o fio estava amarrado, em carne viva.
Ofegante de dor e um medo irracional, só percebeu as vozes altas e preocupadas das gêmeas que adejavam ao seu redor, quando uma mão morena atravessou seu campo de visão e lhe segurou o braço, delicadamente, mas ainda assim a fazendo arfar de dor e voltar os olhos, cheios de lágrimas, na direção do dono daquela mão.
_Interessante._Chain sussurrou, analisando a queimadura e fazendo um gesto com a mão livre, pedindo que as gêmeas se acalmassem._Você tinha uma alma gêmea._Comentou, em um tom francamente interessado.
_T-Tinha?_A mais nova gaguejou, então respirou fundo, ainda que de um modo tremido, e tentou novamente._Como assim, tinha?
_Bom, esse direito obviamente lhe foi negado._Ele explicou, calmamente, erguendo os olhos castanhos para os vermelhos da garota._Foi o fio vermelho que se rompeu, não? Suponho que ele ou ela agora esteja morto. Ou talvez, por um capricho do destino, nem tenha nascido e nem irá nascer. Vocês foram separados.
Devagar, Natasha voltou a olhar para a queimadura em seu pulso. E assim ficou, em silêncio por tanto tempo, que os tremores haviam cessado e seus olhos estavam secos e lúcidos novamente.
_É difícil aceitar que um conceito no qual eu nem acredito tenha doído a ponto de machucar fisicamente. É impossível que seja só isso. Sofrer por alguém que nem conheço? É ridículo._Disse, em voz baixa, com a testa franzida.
_Sim, eu sei que é._O mais velho concordou, tranquilamente._Mas é algo do qual, mesmo que inconscientemente, você sentirá falta.
Com um leve revirar dos olhos vermelhos, a garota desviou o olhar, preferindo não responder.