Capítulo 2 - Palhaços não gostam de abraços. (2/2)

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No dia seguinte, Castano me guiou pelos corredores com tintas brancas e descascadas. O piso parecia mais sujo do que ontem, antes era uma cor alva e agora está imunda. Torci o nariz enquanto caminhávamos. Castano parecia desnorteada, e hoje pela manhã ela não sorriu para mim, mesmo sendo um sorriso falso eu gostava dos sorrisos dela. E do cabelo ébano. Tão escuros quanto o da senhorita Nina. Castano se parecia muito com a Nina.

Castano parou num dos corredores, e abriu uma porta diferente dessa vez. Arqueei as sobrancelhas, não era aqui.

– Castano, essa não é a sala do senhor Nicholas.

Castano me empurrou de leve com as mãos nas minhas costas. Estranho, ela sempre evitava me tocar como se eu tivesse uma doença contagiosa. Percebi que abaixo de seus olhos havia olheiras avermelhadas, Castano chorou bastante, mas por que?

– Entre, Maxine, trocaram seu doutor.

Mordi os lábios, não gosto quando me chamam pelo meu nome, mas entrei mesmo assim, e Castano veio logo atrás de mim. Nós duas encaramos um homem de costas usando um jaleco branco ressaltando o corpo alto e musculoso. Desviei o olhar para Castano, incapaz de me mover. Ela não exibia qualquer expressão no rosto.

– Bom dia, senhor. Trouxe a paciente 175, Maxine Harris.

Castano se virou para ir embora e foi, acho que ela ao menos ouviu quando o homem estranho a agradeceu. O doutor virou-se na minha direção, ele apoiou as mãos na cadeira e a puxou para sentar. Com o indicador, apontou para a pequena e velha poltrona na frente da mesa, um pedido silencioso para me sentar. Eu fui.

– Bom dia, como se sente hoje, Maxine?

Eu encaro o novo médico com desdém. Apertei minha perna que balançava freneticamente. O homem mexia nas gavetas e pegava alguns papéis de forma distraída.

– Onde está o doutor Nicholas?

– Infelizmente, o doutor Nicholas faleceu ontem a noite no consultório. Que Deus o tenha. Eu sou o novo doutor, e peguei seu caso.

Senti um nó na garganta. Preciso fingir que estou bem, mas o sangue fugiu do meu rosto. Me senti enjoada. Ontem à noite, o que aconteceu ontem à noite? Apertei as mãos juntas para evitar que elas tremessem tanto, era uma coincidência, tinha que ser.

– Não respondeu a pergunta, Maxine.

Rangi os dentes, apertando os de cima contra os de baixo. Encarei o novo doutor, a ficha no bolso de seu jaleco indicava que o nome dele era Robert Gray. Meus olhos se moveram rapidamente pela face dele, os cabelos são um ruivo escuro, o nariz bem desenhado e os lábios formam um bico natural. Mas as orbes… as orbes azuis e brilhantes, me chamaram atenção.

– É Max. – Respondi. Minhas palavras pareciam sair secas da minha garganta.

– Certo, Max. Meu nome é Robert Gray.

Ele estendeu a mão pálida, com os dedos finos, e me mostrou um sorriso amigável. Os dentes dele eram bonitos e alinhados. Robert é um homem lindo. Mas de alguma forma eu não consigo confiar nele, havia algo alarmante e familiar. Meu olhar desviou para a mão de Rob, e depois para o rosto dele, o sorriso permanecia até ele me olhar com atenção.

As íris azuis queimavam sob as minhas castanhas. Eu vi a pupila dele dilatar. Tentei o máximo possível não demonstrar meu nervosismo, mas era impossível, ele percebeu, eu sei que percebeu. Eu estou assustada, porque vi algo carmesim e podre nas unhas de Robert. E minha expressão de terror substituiu minha inexpressividade. Rob abaixou a mão e sorriu de novo, o sorriso não alcançou os olhos.

– Você é desconfiada, Max. Do que, exatamente, você tem medo?

Observei seus dedos pegarem uma caneta e apertar o botão repetidas vezes, o azul perseguindo minha face, enquanto esperava minha resposta, e eu não conseguia formular as palavras. Minha mente estava confusa, na verdade, o que aconteceu ontem a noite? Sinto que estou esquecendo algo importante, e tem conexão com o pesadelo que tive sobre a morte dos meus pais. Suavizei meu rosto, sorrindo para Robert.

– Não tenho medo de nada, senhor. – Menti.

– Interessante.

Rob desviou o olhar de mim e começou a escrever, e em derradeiro momento ele parou.

– Mas todos nós temos medo de alguma coisa, Max.

– Tenho medo de aranhas. – Citei, coçando os braços.

"Palhaços não gostam de abraços, Max".

Rob voltou a escrever e a caneta fazia um barulho irritante, e irradiava minha mente, como se estivesse escrevendo no meu cérebro. Subi um pouco do vestido irritantemente branco e passei as unhas curtas pela minha coxa, somente para sentir as unhas arranhando a pele.

– Por que? – Indagou.

Soltei um riso baixo, evitando as lágrimas que queriam descer pela minha face. Senti os meus olhos doerem. E um sorriso começou a aparecer no rosto de Rob.

– Não importa.

– Para prosseguirmos com a consulta, Max, você precisa me contar sobre seus sentimentos, o que está sentindo.

Robert fechou as mãos e se moveu para frente enquanto falava comigo. As lágrimas desceram. E eu continuei sorrindo. Não gostava de chorar, sentia meu rosto se contorcer em agonia, e ficar inchado. Aranhas. Palhaços, e aranhas. Mexi meus braços nervosamente, sentindo as patas asquerosas subirem pela minha pele até meu rosto.

O balão vermelho estourou, assim que meu amigo, o senhor Pennywise, sumiu. Ele disse que não gostava de abraços e me puniu. Dentro do balão havia aranhas, aranhas pretas e grandes, peludas e horrendas, e elas subiram aos montes em cima de mim. Bati, desesperadamente, as mãos pelo corpo e rosto, sentia elas em todos os lugares, tentando picar minha pele, mas elas continuavam a subir de novo e de novo.

– Eu vou te contar uma coisa, senhor.

Movi o indicador na frente do meu rosto, ignorando as patas asquerosas das aranhas e da gargalhada de meu amigo imaginário em minha mente. Robert clicou o botão da caneta. Sei que eu vou soar como uma doida, mas já estou no inferno.

– Palhaços não gostam de abraços, e eu aprendi isso da pior forma.

Encarei Robert com seriedade. Meu rosto queimava como se eu estivesse na frente de um forno, com fogo altíssimo. Rob escreveu e se apoiou de forma desleixada em sua cadeira de couro, ele sorria pro papel enquanto escrevia. Limpei as lágrimas de forma agressiva, a carne latejou.

– Curioso, Harris. Em sua ficha, tem várias observações sobre um palhaço.

Robert gargalhou e eu estremeci, me levantando. Andei de costas até a porta, Rob continuava a olhar para o papel.

– Parece que vamos ter que dobrar a dose das suas pílulas, Maxine.

O azul me pegou de novo. Do outro lado da sala, eu conseguia ver as orbes azuis de Rob. Por que caralhos elas pareciam brilhar? Senti meu corpo mergulhar no tom azulado, na cor intensa de céu e mar, o rosto atraente ficando frio, tão sério e impiedoso que eu senti meus ossos congelarem e se partirem em milhares de pedaços, e então, as palavras de Robert cortaram meu corpo submerso com navalhas.

– Mulher louca e delirante.

Pennywise, Meu Amigo Imaginário.Onde histórias criam vida. Descubra agora