Prólogo

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"As juras mais fortes consomem-se no fogo da paixão como a mais simples palha"
William Shakespeare


- Em uma briga sempre há um perdedor.

Sinto meu corpo pedir por ajuda. Está dolorido. Tudo dói. Acho que sinto até mesmo a minha unha do pé doendo. Abro os olhos com dificuldade. Pisco várias vezes até me acostumar com a luz de seja lá onde estou.

Viro a cabeça para o lado, com muita dificuldade e vejo Joseph me encarando. Ele está com a mão na maçaneta da porta, mas não a abre e seu corpo está virado para mim, ele está me olhando nos olhos. Ele parece decepcionado.

Ele está decepcionado.

- Não seja ele. - Termina sua própria frase com um tom firme.

Ao dizer isso ele sai da sala me deixando sozinha. Olho ao redor e percebo que estou na enfermaria. Tudo branco demais.

Fecho os olhos novamente quando tudo vem na lembrança.

Eu lutando com Nayla.
Todos observando.
Eu dando um soco desengonçado na direção dela.
Ela desviando e no mesmo instante me dando um chute.
Eu caindo no chão.
Ela montando em cima de mim e distribuindo vários socos.
Eu olhando para o Joseph que se mantém em pé entre todos ali que assistem ao espetáculo.
Nayla olhando para ele, parando de me socar.
Ele me encarando, é como se seus olhos dissessem que ele esperava mais de mim, depois ele olhando para ela e dizendo "até o fim".
O punho da garota vindo na minha direção novamente.
Tudo preto demais.

Inspiro e expiro várias vezes para conter as lágrimas que querem cair. Em seis meses que estou na Lilk, é a primeira vez que venho para a enfermaria. É a primeira vez que brigo com alguém que está, ou deveria estar no mesmo nível que eu. É a segunda vez que eu me sinto fraca. A sensação sempre é uma merda.

A primeira vez foi há seis meses. Igual agora, eu acordei num quarto todo branco. Odeio essa cor, ou o excesso de pigmentação nela, que seja. Estava numa cama de hospital. Quando eu abri os olhos, a primeira pessoa que  eu vi foi Joseph, que estava perto de um médico. Ele parecia preocupado enquanto conversava com o carinha de jaleco e gesticulava na minha direção. Em um momento, ele olhou para mim e me viu o encarando.

Ele suspirou, parecia aliviado. Ele caminhou até a cama e o médico o seguiu.

- Olá! - Disse o médico - Como você está se sentindo?

- Bem, eu acho.

- Pode me dizer seu nome?

Franzi o cenho pela pergunta idiota, mas quando eu fui abrir a boca para responder, eu travei. Eu senti meu coração bater mais rápido e um desespero tomar conta de mim. Acho que o médico percebeu, já que ele me perguntou mais uma vez, só que diferente da primeira vez, ele parecia mais cauteloso.

- Eu não sei. - Sussurrei em resposta enquanto encarava as minhas pernas cobertas pelo tecido branco do lençol.

Aquele foi o pior dia da minha vida. Foram muitas informações para um tempo muito curto, para uma criança de oito anos. Descobri que Joseph era meu tio. Descobri que eu tive pais e um irmão gêmeo, mas que além de Joseph, eu não tinha mais ninguém da família vivo. Meus pais e meu irmão morreram numa explosão que teve na nossa casa e eu fui a única sobrevivente. Que merda de sorte!

Joseph me contou que fiquei internada por dois anos. Não me feri gravemente, mas bati a cabeça na queda e perdi a memória. Tinha a possibilidade de eu não acordar nunca mais.

Depois de três dias que eu havia acordado, o médico passou no quarto para me dar alta. Joseph parecia preocupado enquanto o questionava se a minha memória poderia voltar. O médico falou que em casos como o meu, é muito difícil que as memórias voltem, levando em conta a parte "danificada" do cérebro, ou algo assim. Mas me deu uma esperança quando disse que poderia voltar em caso de um impacto emocional muito grande, ou um susto.

Acho que ele errou. Tive um impacto emocional e um susto muito grande quando fui embora com Joseph e descobri que ele controlava a Máfia italiana e em uma de suas mansões, pessoas eram treinadas para serem assassinas. Nada voltou.

Naquele dia eu me dei conta de que eu não tinha uma família, não tinha memória, não tinha uma casa para chamar de minha. Eu não tinha nada. Percebi que eu era nada. Eu sou nada.

Mas ao invés de surtar com toda aquela novidade para uma garota da minha idade, me agarrei numa parte da qual eu não me arrependo. Já que viveria com assassinos, me tornaria uma e aqueles que foram os responsáveis por tirar tudo de mim, por tirar quem eu era de mim mesma, ficariam sem eles também.

Eu os tornariam um nada, assim como fizeram eu ser um nada.

Foi uma promessa, igual essa que faço agora que nada e nem ninguém ficará no meu caminho. Que nunca mais serei derrubada por ninguém e que nunca, jamais, ficarei por baixo de outra pessoa.

Se Joseph gosta que vamos até o fim, então eu vou até o fim.

Só que do meu jeito.

A ChantagistaOnde histórias criam vida. Descubra agora