Capítulo 5

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"Se você vir a fumaça, o fogo está próximo."
Plauto

Hoje eu aproveitei o dia para limpar o apartamento e arrumar as minhas roupas no guarda-roupa, não que eu pretenda ficar aqui muito tempo, mas prefiro deixar as coisas organizadas. O noivo da Lory estava aqui no prédio. Estava ouvindo conversas, risadas e alguns barulhos de caixas sendo arrastadas no corredor, acho que ele já foi embora, porque agora está tudo quieto. Provavelmente ela está sozinha, já que há uns dez minutos estava me mandando mensagem. Não tenho o número de muita gente e Janine e Joseph costumam ligar, ou então mandam algumas mensagens e esperam que eu ligue, sem contar que ela pediu meu número ontem.
O celular está dentro do apartamento e até agora pouco estava vibrando freneticamente em cima do balcão da cozinha. Não vou até lá. Sinto muito, vizinha.

Ontem eu passei o dia todo com ela. Fomos ao Horb's e eu nunca experimentei um café com chantilly tão gostoso em toda a minha vida! Em alguns momentos eu esquecia de fingir gostar da companhia dela, infelizmente ela é uma pessoa legal, o que torna tudo mais natural e leve. Conversamos bastante. Ela falou do noivo, do irmão, dos pais, do trabalho e do casamento. Nada revelador, só alguns comentários aleatórios, como quando foi pedida em casamento há seis meses; como é próxima do irmão e dos pais e que seu irmão vai ser o seu padrinho e que não vão fazer nada grande para o casamento, vai ser algo mais para a família e amigos próximos na casa do lago.

Ela gosta de falar bastante, então quase não falei de mim e o que falei, ou era parcialmente mentira ou era uma parte da minha vida que não envolvia assassinatos, ou seja, quase nada.

Depois fomos a alguns museus, dois, se não me engano. Almoçamos hot dog em um food truck de uma pracinha, ela disse que quando era mais nova ia quase sempre ali com o irmão. Tenho que admitir que em alguns momentos eu me senti com inveja dela, em saber que eu nunca vou poder fazer algo com alguém e dizer "eu fazia isso com o meu irmão quando éramos mais novos", ou então dizer a alguém alguma coisa ridícula que eu e ele fazíamos e depois cair na gargalhada com a pessoa. Todas as risadas, as brigas pela televisão, a encheção de saco da parte dele por causa dos garotos, lugares de comida favoritos, eu implicando com alguma namoradinha dele porque com certeza eu não ia gostar dela, tudo isso foi tirado de mim. Miguel teria sido um homem incrível um dia!

Não que eu me lembre dele, na verdade não me lembro do rosto de ninguém. Nem dos meus pais e nem do meu gêmeo. Tenho vagas memórias, como se fossem um borrão. Miguel e eu gostávamos de observar as estrelas, isso eu sei porque quase toda noite desde o dia em que eu acordei do coma, eu tenho o mesmo sonho e quando não o tenho, não sonho com nada. Duas crianças que eu não consigo ver o rosto estão sentadas na grama, a menina mexe em alguns matinhos no chão enquanto o menino aponta para o céu, fazendo a menina acompanhar com o olhar a direção que o seu dedo aponta. Depois de um tempo ele diz sempre a mesma frase: "as estrelas são o que mantêm as pessoas conectadas, mesmo elas estando distantes. O mesmo céu que eu vejo, é o mesmo céu que outra pessoa em outro lugar está vendo".

Por causa desse sonho eu fiz a minha segunda tatuagem na escapula direita. São duas estrelas ao redor da frase "as estrelas conectam almas".

Nesse exato momento estou aqui fora sentada na varanda, enrolada na coberta, tomando um chocolate quente enquanto observo as estrelas, é como se elas me mantivessem conectada à minha família. O céu aqui em Chicago não está tão estrelado quanto o céu da Sicília costuma ser, mas ainda assim está bonito.

Saio do transe e olho por cima do meu ombro quando escuto batidas na minha porta. Coloco a caneca na mesinha redonda da varanda e levanto com o cobertor enrolado no corpo. Tentando não tropeçar na coberta, vou até a porta e antes mesmo de chegar perto o suficiente para olhar no olho mágico, Lory chama o meu nome cantarolando.

A ChantagistaOnde histórias criam vida. Descubra agora