"Um fogo devora um outro fogo. Uma dor de angústia cura-se com outra."
William Shakespeare
Fecho os olhos enquanto brinco com o pirulito na boca, giro o palito para a direita e depois para a esquerda, sentindo a bola se mexer na minha língua no mesmo ritmo. É meu doce preferido e é de sabor cereja. É bem estranho parar para pensar que quase não vemos um adulto com um pirulito na boca. Muitos preferem colocar outras coisas nela.Saio dos meus pensamentos, suspiro pesadamente e então finalmente abro os olhos quando o murmúrio fica mais alto. Encaro o homem com um pedaço de pano na boca à minha frente e tenho certeza de que se ele não estivesse com esse tecido na boca, eu já teria ouvido um "vadia" pelo menos quinze vezes.
Tiro lentamente o pirulito da boca. Passo a língua sobre os lábios para tentar diminuir o melado neles e quando termino, sorrio mostrando os dentes para o homem.
- Quer me falar o que sabe?
Ele não responde de imediato, então dou de ombros e coloco o pirulito na boca novamente, mas dessa vez sem desviar o olhar do homem. Ele deve ter 55 anos, 30 anos a mais do que eu e por mais que tenha tentado esconder no começo, parece estar bem assustado.
Ele murmura algo novamente. Tiro o pirulito da boca, novamente. Faço a mesma pergunta novamente. Dessa vez ele mexe a cabeça em sinal positivo.
Ele está preso numa cadeira de madeira. Os tornozelos estão amarrados em cada perna da cadeira com uma corda. As mãos estão nas costas da cadeira amarradas com uma corda também.
Não acho que precise disso tudo, mas gosto do olhar de apavoro deles.
Estamos de frente um para o outro, separados apenas por uma mesa de madeira. Tiro os pés de cima da mesa, me levanto e me aproximo dele.
- Se você disser algo que eu não goste, eu vou cortar sua língua. Você me entendeu?
Ele confirma novamente. Tiro o pano da sua boca e o vejo inspirar pelo menos três vezes antes de começar a falar.
- Eu posso pagar o dobro do que estão te pagando. É só me deixar ir. - Ele diz e percebo, nitidamente, que ele está desesperado.
- Sempre pensam no lado do dinheiro, não é? Por quê?
Ele não responde, parece pensar na minha pergunta. Chego mais perto de seu rosto e olho bem no fundo dos seus olhos.
- Eu te fiz uma pergunta.
- Quem tem mais dinheiro é quem tem mais poder. - Da de ombros.
Sorrio e nego com a cabeça.
- Errado. Quem não tem distração tem mais poder.
Dou um longo suspiro e olho para a mesa atrás de mim. Dou uma rápida conferida no seu nome na ficha e volto a encará-lo.
- Quem não tem família tem mais poder, Zion. E sabe por que? Porque essas pessoas não têm nada a perder. Eu estou pouco me fodendo com a porra do seu dinheiro.
Ele franze o cenho e percebo várias perguntas a serem jorradas na minha direção.
- Se você fizer algo comigo, vão vir atrás de você.
- É o que eu mais quero. - Sorrio novamente, contente com a ideia. - Vai me falar ou não?
- Eu não faço ideia do que você esteja falando, garota.
Passo a língua nos lábios e nego com a cabeça. Me afasto dele o suficiente para me conter de não lhe dar um soco.
- Vamos refrescar sua memória. Drogas, Moscou... Onde está a grana?
A expressão dele finalmente muda e deixa de ser uma que não entende a situação, para uma que teme a situação. Seus olhos percorrem pelo meu pescoço e meus antebraços, que não estão cobertos por um tecido, a procura da marca.
Depois de varrer o meu corpo numa tentativa falha de achar a marca, o homem franze o cenho. No dia em que fui marcada, não quis um lugar que ficasse na cara de onde eu sou e onde pertenço, até porque tenho planos e na Itália não é necessário uma marca para saberem quem eu sou, e em situações como essa, é engraçado a cara de surpresa que eles fazem.
- Hum, Joseph não ficou contente com a quebra de contrato por parte do seu chefe.
- Marshaw vai entrar em contato com ele, houve um imprevisto, mas já estamos resolvendo.
Me aproximo dele e deixo meus olhos na mesma altura que os seus.
- Um imprevisto que aconteceu há caralhos de quase dois meses? E vocês iam entrar em contato quando?! - Ele não responde. - A Scorpiones ficou no prejuízo e não gostamos disso, Zion. Entramos em contato primeiro.
Caminho por trás dele enquanto penso em um plano. O plano era fazer ele enviar uma mensagem para o Marshaw e atirar em algum dos homens dele, mas esse é o plano do Joseph, não meu.
- Vamos fazer o seguinte, Zion. Você vai enviar uma mensagem para o seu chefe e assim que você der o recado, você terá que morrer! - Forço uma cara de tristeza e volto a ficar de frente para ele. - Mas não se preocupe, não serei eu quem irá matá-lo
- Por favor.
- Uh, isso me embrulha o estômago. Você não deveria implorar! - O meço de cima a baixo. - Só confirma o quão fraco você é. Mas voltando ao meu plano, você - aponto para ele com entusiasmo - fará isso!
- E o que faz você pensar isso?
Fico séria novamente.
- Bom, ou você faz isso, ou eu irei garantir que a sua filha não terminará de gestar a sua netinha. É a primeira, não é mesmo?!
- Escuta aqui sua vagabun...
Bato na mesa e corto sua fala.
- Eu disse que não queria ouvir algo que não gostasse. E não sei porque ficou tão esquentadinho. A vida está nas suas mãos, literalmente - Rio do trocadilho. - Você quem escolhe!
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A Chantagista
Romance"Não brinque com fogo se você tem medo de se queimar" Kate cresceu sem uma família para chamar de sua e está disposta a matar quem for necessário para sentir-se vingada. Uma assassina altamente treinada desde criança que não tem nada a perder, um d...