Século XX
Nova Orleans, novembro de 1902."Elegância"
A cidade ainda queimava sob os sapatos e saltos, não importava se fosse das damas e prostitutas. A cidade ainda exalava o odor da carne humana queimada. O cheiro ainda era sentido em inúmeras paredes.
Mais de meio século se passou, sessenta anos para ser exato. E ainda assim, a festa não acabava, a diversão não dormia, não tinha fim. A cidade ficou conhecida como mar de sangue e isso, isso atraiu novos clientes, olhos novos e sangue fresco.
Sim, Louis ainda garantia moradia no alto escalão do Quartel Francês, como o mais novo nobre, rico e prepotente.
Sessenta anos se passaram, o tempo voou. Aqueles que sobreviveram, aqueles que conseguiram escapar, fugir, voltaram. Imagine o desprazer de ver sua linda e amada cidade no caos da solidão.
Uma década, apenas uma década de descanso, a cidade realmente precisou. As portas foram fechadas, janelas trancadas, a fome consumiu todos a frente, e ele se divertia, na mais bela escuridão.
Ele despertava na mais sonora sintonia do jazz e adormecia no mais alto canto dos pássaros.
Dez anos na escuridão, completamente. Ele se escondia em becos escuros e nojentos, atraia suas vítimas para o último suspirar, o beijo mortal. Ele tripudiou das vítimas.
E quando chegou fevereiro de 1853, as portas foram abertas, as janelas foram derrubadas. O caos e a fome sumiram.
Ele encenou tudo, a cada movimento humano, a cada respiração rápida e contínua. A dança, a comida, a bebida e as prostitutas retornaram, voltaram a vida.
Mesmo com o passado sombrio.
Com sua nova identidade - não tão nova - Ele "retornou" triunfante, caso não fizesse, não seria o marquês Louis Angelle. Um pouco sádico de sua parte, irônico na verdade.
Angelle, derivado do latim, angellicus, que significa por sua vez, anjo. Particularmente está associado como mensageiro de Deus. Completamente irônico e astuto. Ele brincava com a fé das pessoas, brincava com os religiosos mais devotos de sua cidade, ele adorava vê-los implorar, mesmo que fosse por um simples gesto falso de divindade.
Marquês Louis Angelle, nobre de berço, tanto de riqueza e beleza, sabedoria e arrogância em sua face angelical, na qual foi esculpida pelo próprio diabo, seu criador.
- Posso dizer que, ele realmente foi uma criatura esperta. - O escritor murmurou, impressionado com cada detalhe.
- Não, ele não foi. - Harry respondeu. - Ele até poderia ter sido, antes de novembro, antes daquela sexta-feira, quando me encontrou, me encantou. - Harry completou.
- Como ficou, sabe, alguém percebeu em 1902? - O escritor perguntou.
- Não, não. - Harry se sentou, elegante. - A maioria das pessoas com quem ele tinha mais contato, o via mais, morreram e quem não morreu, fugiu. - Harry bebericou a taça com sangue. - Aqueles que voltaram, voltaram apenas com histórias assombrosas de seu pais ou avós, não tinha exatamente uma descrição precisa do Louis, o sorriso do diabo. - Harry completou.
- E de fevereiro para novembro, o que houve? - O escritor perguntou.
Harry ponderou, muitas coisas tinham acontecido, mas apenas importava aquelas que envolviam Louis Angelle, o falso marquês.
- Festas, novas aberturas de cabarés e casas de bebidas, tabernas nas esquinas, novos complexos chiques com varandas brancas, como ele gostava. - Harry fechou seus olhos e relaxou.
A noite entorpecida de música, das mais clássicas as mais cafajestes. Ninguém ficava de fora, dos nativos aos forasteiros, dos mais ricos ao menos afortunados.
O cheiro de tabaco se misturava com o aroma das prostitutas nos colos dos mais variados homens. Louis sempre no canto, espiando tudo e todos.
Mesmo com o título de marquês, ele possuía a propriedade mais movimentada da cidade. A casa de Angelicus, as mais diversas danças sádicas aconteciam lá, os mais diferentes tipos de impunidades, somente lá.
Nada mudou, até aquela sexta-feira, era novembro. Ele estava caçando ao redor da cidade, nas margens, no silêncio.
Eu estava cavalgando de volta para casa, meu lar, minha família. A viagem tinha durado alguns dias, até finalmente chegar nos arredores da cidade, eu estava quase suspirando de alegria, quase.
E obviamente eu não percebi, não percebi que tinha alguém me observando de longe, no escuro, tinha algo à espreita, um formidável caçador, e eu, eu era o fácil animal dócil, frágil.
As rédeas foram ficando pesadas, não percebi pois estava cansado, horas com fome. Minha mente estava fraca, fraca o suficiente para Louis dominar, e ele fez isso.
O cavalo foi parando aos poucos, a galopada foi cessando. Eu estava tão cansado, que ao menos me dei conta que tinha parado e estava sentado em uma pedra. Não tinha como reparar, ele me encantou, foi quando apareceu.
Ouvi sua risada, posso afirmar que, nos primeiros anos sua risada, para mim, era a mais doce e linda risada, totalmente angelical. Ele estava caminhando na minha direção, o terno azul claro moldado e justo em seu corpo, a blusa era preta. Seus cabelos, dourados, loiros, compridos até o ombro, lisos e brilhantes. Os olhos azuis cintilantes.
Ele estava tão próximo, tão charmoso, eu me encantei. Normalmente, naquela época, não tínhamos medo de estranhos se aproximando, ainda mais na esquina mais afastada, eu não tive medo, tive adoração.
É claro, pelas roupas, pelo o andar e a superioridade misturada com a soberba estampada em sua face, eu soube que era um nobre.
E quando ele falou, meu coração disparou, eu não soube, mas ele tinha gostado do som.
- Tão lindo quanto o amanhecer no horizonte, até o anoitecer se ajoelha para sua beleza. - Louis disse com o sotaque arrastado, o francês se misturava em uma dança com palavras.
E eu... eu caí. Caí como uma pena.
- O que aconteceu? - O escritor o tirou de seu transe.
Harry ficou em silêncio por alguns segundos.
- Eu fiquei mudo, por alguns dias, depois de semanas eu cheguei em casa.
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Nova Orleans•L.S
VampirosShortifc / Concluída. Lembranças sendo ditas em voz alta em um tom claro e obscuro. As memórias vinham à tona a cada segundo, a cada milésimo sendo proferido. A verdadeira história por trás das lembranças e emoções acontecia no século XIX e por do...