Mulheres jovens e pequenas fazem o perfil ideal de recrutamento para empresas de espionagem. Isso porque a maior parte das pessoas não as enxerga como uma ameaça ou desconfia de suas intenções. E, considerando o quão fácil fora para Jennie convencer aquele manobrista de que ela era melhor amiga de Lalisa Manoban, essa teoria tinha grandes chances de ser verdadeira.
Claro que ela teve que colocar um vestido extravagante antes, se livrar dos piercings do rosto e cobrir as tatuagens para ficar parecida com uma patricinha que frequentaria festas no Clube Chalezinho; mas o rapaz entregou a chave da BMW X6 prateada em suas mãos sem pensar muito, acreditando piamente que ela queria fazer uma surpresa de aniversário para a filha do prefeito. Era só uma cesta com chocolates afinal.
Mas a mercenária sequer sabia quando Lalisa fazia aniversário. Se fizesse um ranking, em sua cabeça, de datas insignificantes, a data ocuparia o topo da lista. Naquela cesta, havia uma bomba de óxido nitroso.
Ela caminhou pelo estacionamento e colocou a cesta pomposa no banco do carona, depois fingiu que fechou a porta e devolveu a chave para o rapaz, agradecendo com um sorriso doce no rosto, mais falso do que as promessas de campanha de Armando Manoban.
Quando lera o sobrenome do prefeito no e-mail que recebera de sua agente, Jennie por pouco não derrubara a garrafa de cerveja que estava bebendo sobre seu computador. Primeiro, pensou que fosse alguma coincidência ou um engano, mas havia uma foto anexada que não deixava a menor dúvida: sua maior inimiga do ensino médio era uma vampira.
O irônico era que ela receberia uma recompensa de seis dígitos por um trabalho que faria de graça. Enfiar aquela patricinha sanguessuga num porta-malas seria como ter um dia no parque de diversões.
Tinha uma porção de memórias que envolviam a loira e a maioria delas não eram agradáveis. Era óbvio que Lalisa Manoban não podia ser humana e, se seu nome tivesse passado mais do que três vezes pela cabeça de Jennie depois que saíra do colégio, teria chegado sozinha a essa conclusão. Mesmo após anos, era estranhamente reconfortante ter uma explicação lógica para o magnetismo persuasivo que Lalisa exercia sobre todos daquela escola. Aos 17, Jennie pensava que era culpa do rostinho bonito e do corpo de boneca Barbie. Agora, aos 22, sabia que tudo isso não passava de poderes sobrenaturais, desleais com os sentidos dos humanos.
Não que houvesse algo de leal sobre seus olhos quase verdes grandes e lábios carnudos. Mas Jennie não queria pensar sobre eles naquele momento.
Entrou no carro da vampira pela porta que deixara aberta, saltou para o banco de trás, prendeu os cabelos escuros num coque apertado e foi jogar Subway Surfers enquanto esperava.
Quando avistou a filha do prefeito aproximar-se do carro, Jennie largou o celular e tirou de sua bolsa a estaca de prata, que se desmontava para virar uma corrente, e uma máscara com filtros de gás.
Esse trabalho seria muito mais fácil se ela pudesse matar a garota e receber a grana, mas a instrução era para que entregasse Lalisa Manoban viva, então precisou usar a criatividade.
Kim vestiu a máscara, depois se encolheu no vão entre o banco dos passageiros e do motorista. Lalisa Manoban entrou no carro minutos depois, colocou o cinto de segurança e, no instante em que seu olhar se distraiu com a cesta rodeada de laços cintilantes que estava ao lado, Jennie se ergueu num pulo.
Por mais que seus olhares tenham se encontrado durante milissegundos no retrovisor central, Lalisa não conseguiu ser rápida o suficiente para escapar da corrente que foi envolta em seu pescoço. O cheiro de carne queimada tomou conta do espaço fechado e o reflexo involuntário de se livrar da amarra com as mãos foi a deixa perfeita para que Jennie desse outra volta com o objeto metálico e prendesse os punhos da garota também. Segurando a corrente só com a mão esquerda, usou a direita para acionar a bomba de óxido nitroso com um controle remoto.
Deve ter demorado um minuto para que Lalisa apagasse, mas aquele fora o minuto mais longo da vida de Jennie, porque seus olhares continuavam se encontrando no espelho durante o processo. A loira não tentou gritar, o que era, no mínimo, esquisito.
A não ser, é claro, que ela já estivesse esperando por um ataque e isso fazia a caçadora se perguntar quem estava por trás daquela contratação. Os clientes que optavam pelo anonimato sempre lhe rendiam os trabalhos mais intrigantes.
Depois de certificar-se que Lalisa estava mesmo inconsciente, Kim abaixou um terço dos vidros e esperou o gás sair para remover sua máscara e sair do carro. Lalisa era magra até demais, mas tinha 1,67 de altura, o que tornava o trabalho de erguer e arrastar seu corpo até o porta-malas bastante complicado para alguém de 1,63. Para sorte de Jennie, a X6 tinha um porta-malas espaçoso que comportava um corpo e um cilindro pequeno que continha o gás que manteria Lalisa desacordada pelo tempo que Jennie precisava até chegar em seu destino para entregar a "encomenda" e receber seu dinheiro.
Um sorrisinho vitorioso se desenhou em seus lábios ao ver a loira inerte daquele jeito, como jamais achou que veria. Ela usava um vestido rosa apertado com um decote exagerado que ia abaixo dos joelhos e Louboutins da sola vermelha. As queimaduras provocadas pela prata da corrente já estavam desaparecendo em sua pele alva, mas ainda eram bem visíveis. Jennie atou seus punhos e tornozelos com abraçadeiras de nylon, depois acomodou o cilindro ao lado do corpo da garota e afrouxou o pino para liberar o gás, abaixando o tampo.
Só quando se sentou no banco do motorista é que percebeu o quão aceleradas estavam as batidas de seu coração. Antes de dar partida, ela fez uma ligação para a sua agente.
— Já terminei, Jisoo. Avisa para eles que estou indo para o ponto de encontro que a gente combinou — pediu ainda com o sorriso nos lábios.
— Eles ainda não conseguiram o dinheiro todo. — O sorriso de Jennie sumiu. — Você vai ter que esperar.
— Como assim eles não conseguiram o dinheiro todo? Esses caras tão achando que somos amadores?
— Não sei, mas estou tentando pressionar para acabarmos logo com isso. Te ligo quando o sinal estiver verde, tá bem?
— De jeito nenhum. Nosso combinado foi que eu entregaria a vampira para eles no mesmo dia.
— O que você sugere? Que a gente termine o serviço sem receber o pagamento? — A voz usualmente calma de Kim Jisoo soou irritadiça. — Me dê mais algumas horas e isso vai ser resolvido. Se não for, a gente mata a sanguessuga e fim da história.
Com "a gente mata a sanguessuga", ela quis dizer "você mata a sanguessuga" e, ainda que Jennie não odiasse a ideia, tinha gastado uma grana em óxido nítrico no mercado clandestino para acabar no prejuízo. Eles não vendiam isso para qualquer um.
— E o que caralhos eu faço com ela enquanto isso?
— Leva para o seu apartamento.
— Que ideia ótima, já tava na hora de inaugurar a cela para vampiros que eu construí mês passado. — ironizou — Não rola.
— Você é criativa, sei que vai pensar em alguma coisa. Agora eu tenho que desligar para ir resolver esse pepino e livrar a gente dessa. Te ligo quando tiver novidades.
Quando a chamada foi encerrada, Jennie recostou a cabeça no volante, bufou e murmurou:
- Ótimo. Agora fudeu.
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Heartstaker
FanfictionQuando a caçadora de vampiros Jennie Kim é contratada para capturar a perigosa Lalisa Manoban ― sua grande rival do Ensino Médio ―, ela tem certeza de que aquele trabalho parece bom demais para ser verdade. Sua teoria se confirma da pior forma possí...