Jennie não conseguira pregar os olhos naquela noite. Prendera Tripé pela coleira no pé de sua cama e se deitara sem a menor esperança de ter uma boa noite de sono.
Perto das 7 da manhã, quando sentiu vontade de fazer xixi, saiu para um passeio matinal com o cão. Era um pretexto para usar o banheiro da padaria que tinha em sua rua. Ainda que ela também precisasse, mais do que nunca, de um banho longo e revigorante. Seu cabelo preto estava preso num rabo de cavalo frouxo e ela vestia um moletom velho combinando com os chinelos vermelhos.
Enquanto andava, com o sol morno da manhã de outono beijando o topo de sua cabeça e desanuviando sua mente, conseguiu organizar os pensamentos. Era complicado raciocinar dentro da atmosfera claustrofóbica daquele loft sabendo que apenas algumas paredes dividiam ela e aquela sanguessuga.
O bairro em que morava não era o melhor da cidade, mas ocupava um dos dez primeiros lugares. Era ajeitado. Ruas limpas e arborizadas, senhorinhas fazendo suas caminhadas matinais ou passeando com seus Chihuahuas que latiam feito alarmes de carro quando viam Tripé passando do outro lado da calçada.
Entretanto, ainda não era o suficiente para fazer Jennie querer ficar. Aquela cidade era uma gaiola enferrujada de memórias, que estivera com a porta aberta durante todo esse tempo, e Kim só percebera que precisava deixá-la quando as grades começaram a ficar apertadas demais.
Por isso a proposta de Lalisa Manoban era tão tentadora. Com o dobro da recompensa, podia conseguir um lugar mais confortável e não se preocupar com contas durante muitos meses. Sabia que a ganância era um dos piores aliados do ser humano; ela te cega, te faz cair em armadilhas estúpidas, quando há centenas de avisos de perigo. E, nesse caso, havia milhares deles.
Só que, além de gananciosa, Jennie também era dona de uma autoconfiança que beirava a arrogância.
E não havia nenhum perigo que ela não se julgava capaz de driblar.
Quando chegou em casa, deu uma olhadela pela fresta do banheiro para conferir se sua prisioneira ainda estava lá e que tudo aquilo não passara de um sonho. Teve um vislumbre rápido das mãos esguias de Lalisa e isso foi o suficiente.
Agora, precisava pensar num plano e ensaiar suas falas para não correr o risco de gaguejar na frente da vampira.
***
— Eu tenho algumas condições — disse Jennie, sem delongas, escancarando a porta do banheiro, cinco horas mais tarde — Para soltar você e te levar até a pessoa que me contratou para te capturar.
O semblante outrora entediado de Lalisa ganhou um brilho teátrico. Ela ergueu o queixo e abriu um sorriso pequeno, mas vitorioso.
— Até que enfim. — Ela se revolveu como pôde no espaço confinado para conseguir olhar nos olhos de Kim — Sou excelente em fazer negócios.
— Não vamos negociar nada. Nenhuma das minhas condições está aberta à discussão, entendeu? Ou você cumpre ou pode esquecer a minha ajuda.
— Uau. Jennie Kim, o que aconteceu com você? — debochou Lalisa — Não parece mais aquela ratinha assustada que conheci no ensino médio. De onde saiu toda essa coragem?
A mercenária revirou os olhos e se aproximou da beira da banheira, depois inclinou o corpo e se sentou sobre a tampa da privada para que pudesse nivelar o olhar com o da garota.
—Já acabou? — Lalisa balançou os ombros e suavizou a expressão — Ótimo, vamos acabar logo com isso. Vou te dizer como as coisas vão acontecer a partir de agora e, se me interromper, vou sair por aquela porta e só vou voltar quando for para sumir com você daqui, entendeu?
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Heartstaker
FanfictionQuando a caçadora de vampiros Jennie Kim é contratada para capturar a perigosa Lalisa Manoban ― sua grande rival do Ensino Médio ―, ela tem certeza de que aquele trabalho parece bom demais para ser verdade. Sua teoria se confirma da pior forma possí...