Capítulo 10: Ágape

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O mês se seguiu com calma, terminei de ler o livro nos dois primeiros dias e fiz as anotações baseado no que a professora solicitou para juntar com as de Onawa e finalizar esse trabalho do semestre o mais rápido possível. Onawa tinha gostado do livro e diversas vezes me parou no corredor ou na aula de literatura para falar sobre ele. Eu não entendia essa necessidade que ela tinha de querer falar sobre o livro o tempo todo, mas não me importei. Gostava de falar com ela.

E embora eu tentasse não reparar ou pensar nela, com todas as coisas que estavam acontecendo, eu não conseguia evitar. Era só ela chegar perto que eu esquecia os problemas e isso não era nada bom. Eu tinha que pensar neles. Tinha que tomar uma decisão.

Jhames estava impossível com essa história. Não tinha um dia que ele não fizesse uma de suas piadas. Eu cheguei a conclusão de que ele devia se preocupar com seus próprios problemas, por que depois de nossa conversa, comecei a prestar mais atenção a Warren e parecia que, talvez, as pressuposições de meu irmão estivessem corretas. Eu não tinha percebido como Warren era protetivo com ele até o acampamento.

Jhames sempre caía normalmente, mas em um ambiente em que tivessem pedras e raízes no chão, a quantidade de quedas por falta de equilíbrio normal e felicidade por fazer algo novo aumentou, e sempre que ele ia cair, Warren estava por perto para ajudar, mas quando as outras pessoas caiam, ele parecia desatento. Em uma das conversas ao redor do fogo, percebi que ele olhava para Jhames com uma intensidade um pouco maior que o normal, mas fazia de maneira para que ninguém percebesse. Se eu não estivesse prestando atenção, eu não perceberia. Em um dos momentos nossos olhos se cruzaram e ele pareceu desconfortável. Desde então, ele parou de ficar tão próximo dele quando eu estava por perto. Decidi não observar mais, uma hora eles iriam resolver essa questão entre si. Eu só esperava que Jhames fosse maduro o suficiente para lidar com essas questões.

Minhas crises de ansiedade não passaram, na verdade só pioraram com a conversa com Davyd. Todo dia eu parava para pensar no assunto, tentando achar uma solução para o problema. Entretanto, pensar nisso só me fazia mal. Depois de aprender a aplicar o medicamento com Marien, o que foi uma experiência levemente desconfortável, as dores de cabeça não davam as caras, o que agradeci. Menos um problema para pensar.

Entretanto, vieram os efeitos colaterais do remédio. Eu ficava extremamente enjoado e conseguia comer bem pouco. Principalmente depois das injeções. Enjôo e tontura acabaram se tornando leves companheiros. Ás vezes minha pressão caia e até isso fez com que Jhames voltasse a falar direito com Marien em um dia que eu passei mal. Isso foi uma coisa boa, por que eles voltaram a ser amigos. Ele até a chamou para ir no acampamento. Ela recusou, é claro, mas isso já era um grande passo.

Mas sério, o enjoo não era uma coisa fácil de lidar.

O dia em que Onawa viria para fazer o trabalho estava chegando. Seria na segunda-feira seguinte. Como estava próximo, decidi me focar no trabalho e não nos problemas. Davyd não tinha dito nada desde a conversa, a não ser perguntando sobre os remédios e os efeitos colaterais. Re-li as anotações que fiz e reescrevi algumas coisas. E quando eu focava no assunto, pensava em Onawa novamente, sentada na cadeira da cozinha de casa, fazendo trabalho comigo.

Isso não era nada bom.

Eu não podia negar mais que estava atraído por ela. Eu não sabia se ela poderia sentir algo por mim - e ficaria realmente surpreso por isso, já que eu pareço um morto-vivo magrelo estragado ambulante - mas eu não podia alimentar isso, de jeito nenhum! Eu tinha que ter controle dessa situação. Eu que mandava nesse corpo. Ou eu tentava me enganar quanto a isso. Mas se fosse pra me enganar, então que eu me enganasse.

Eu esqueci de tomar a injeção no domingo, então ela teve que ficar para a segunda feira, feriado municipal. Me preocupei porque Onawa viria em casa no período da tarde, então para ficar com os efeitos mínimos enquanto ela estivesse aqui, eu teria que tomar o medicamento ás 4 da manhã e passar pela pior parte dos efeitos no período da manhã. Dito isso, demorei para conseguir acordar no horário e acordei as 5:30. Ok, eu teria que segurar um pouco a onda enquanto ela estivesse aqui. Me levantei e peguei os equipamentos. Segui como Marien tinha me ensinado. Como eu conseguia detectar o caminho do sangue em meu corpo e no das outras pessoas, não foi difícil achar a veia. Joguei fora a agulha utilizada no equipamento para descarte de agulhas que consegui na enfermaria com a enfermeira chefe. Fiz tudo antes que a tontura me abatesse.

Alliansé |  Livro I: MetadesOnde histórias criam vida. Descubra agora