Flor de Lótus

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    Sob o pôr do sol ao longe, em uma praia deserta, ele a observava amorosamente, com carinho se derramando pelo olhar.
Ela o encarava da mesma forma, com um sorriso contido, olhando-o nos olhos.
De repente, ele estava mais perto, e havia algo em sua mão.
Pareciam ser ovos de pássaro, um vermelho e o outro azul.
Sem compreender o que estava vendo, ela sentiu sua cabeça latejar, e repentinamente tudo sumiu.

 

       Havia calor em seu rosto, esquentando sua pele, aquecendo seu ser,um contraste gritante em meio ao frio que antes cobria seu corpo. E então, havia dor.
- Ai!- Exclamou ela, segundos antes de identificar seu agressor. Um caranguejo curioso acabara de testar sua potencial refeição, beliscando-a no calcanhar direito.
- Desgraçado, volte aqui!- Seu agressor, entretanto, se mostrou bastante desapontado quando seu lanche começou a se mexer, então ele logo se escondeu em meio às pedras.
Após perder de vista seu adversário, o cansaço se mostrou presente em seus ossos, e o calor do momento a deixou.
Olhando em volta, não havia nada mais do que areia, pedras, conchas e água.
Fechando os olhos em um suspiro cansado, ela se tornou subitamente consciente de que não estava sozinha. Havia algo ali, no fundo de sua mente, uma companhia não desagradável, mas misteriosamente reconfortante, que a ajudou a se acalmar em frente ao medo do desconhecido.
     Uma busca curiosa em suas memórias a esclareceu dois pontos importantes:
Ela não sabia como havia parado ali, e não sabia quem era.
Um terceiro fato se apresentou no segundo seguinte: ela estava com fome.
Sua barriga doía, e sua garganta estava tão seca quanto o chão no qual estava deitada.
   Um outro fato um tanto mais surpreendente foi a percepção de que ela estava despida, completamente sem roupas. Sua pele estava em contato direto com a areia seca, o que causava certo desconforto. Usando os braços para se apoiar, ela conseguiu levantar do chão, e se arrependeu quase que imediatamente. Assim que seus pés se posicionaram sob seu peso, ela perdeu o equilíbrio, e seu rosto foi com força em direção à areia. Seus membros estavam dormentes, como se desacostumados a realizar tais ações, e o pânico tomou conta de sua mente.
- Socorro! Alguém aí, me ajude, por favor!- Seus gritos secos foram recebidos e dispersos pelo ambiente isolado, e sua única conquista foi assustar alguns pássaros que voavam por perto, além de causar uma dor de garganta desgraçada.
Desconsolada, ela decidiu olhar em volta em busca de algo que possa a ajudar. Essa busca se mostrou frutífera ao fazê-la localizar um pedaço de madeira de comprimento considerável próximo aos seus pés,  perto o suficiente para que pudesse a alcançar sem se levantar. Com a muleta improvisada em mãos, foi um pouco mais fácil se pôr de pé, mas só um pouco. A mudança de perspectiva a surpreendeu, pois, um pouco adiante, havia uma forma distorcida boiando perto da areia, como um tecido, talvez uma peça de roupa velha. Indo cuidadosamente em direção à sua descoberta, a surpresa dominou seu rosto ao perceber que, não só era de fato tecido, como também aparentava ser grande o suficiente para cobrir sua nudez.
Ao enfiar seus pés na água cristalina, uma energia fria se estendeu por seu corpo, fazendo-a recordar da sensação de estar a deriva, flutuando em uma imensidão azul. Sua surpresa durou poucos segundos, e logo ela estava com o pano em mãos. O tecido era de cor vermelha, e estava bastante desbotado e retorcido, e tambem um pouco rasgado, mas o que se pode fazer? Era uma grande sorte tê-lo encontrado. Observando cuidadosamente o tecido enxarcado em suas mãos, pareceu-lhe que havia caído de alguma embarcação. Segurando a peça com as duas mãos de maneira firme, ela conseguiu dividi-la em duas fitas grossas, assim tornaria mais facil adaptá-la como um sobretudo improvisado. Em poucos minutos, e com um pouco de esforço, ela já se encontrava completamente coberta, e esse fato, juntamente com a companhia reconfortante da energia presente nas águas à sua volta acalmou seu coração angustiado.
Os segundos de alívio, entretanto, não duraram muito. Uma busca árdua em sua mente a relembrou de seu principal problema: não havia qualquer memória para responder suas perguntas atuais.
Parando para analisar onde estava, ela constatou que estava em uma praia pequena, e um rio se estendia por incontáveis metros adiante, brilhando em um majestodo azul celeste, mas cristalino rente à margem.
   Prestando atenção à sua volta, ela percebeu que, com a devida concentração, era capaz de sentir mais do que o vento em seu rosto. Havia algo ali, uma energia intensa, estendendo-se por todo o lugar, inclusive sob sua pele, em suas veias, o que ,ao contrário do que se pode esperar, não era assustador, muito pelo contrário, era como se as águas fossem uma extensão do seu ser, e tudo que se beneficiava dela era sentido em seu subconsciente. Os corações batendo há quilômetros de distância, todos alimentados por sua força vital.
   Aturdida por essa realização, seu devaneio foi repentinamente interrompido por seu estômago, que reclamava vazio.
    A percepção de que precisava de comida foi o que a motivou a procurar por ajuda.
   Suspirando cansada, pareceu-lhe uma boa ideia seguir pela margem do lago, talvez para encontrar ajuda, quem sabe algum pescador. Enquanto andava lentamente, a bengala logo perdeu sua serventia, a sensibilidade voltando para sua parte inferior do corpo, então ela a descartou na areia.
Após alguns minutos de caminhada, ela avistou mais à frente uma canoa, com um único ocupante.
    Alívio claro em suas feições, ela tossiu testando sua voz, então foi com um sorriso de orelha a orelha que o chamou aos gritos:
-Senhor, ei, senhor! Olá, aqui!
Como se surpreendido por um fantasma, o pobre homem quase caiu do barco, entretanto, ao vê-la na areia, pareceu ter seu coração acalmado do susto, com a mão no coração.
- Olá, senhorita, algum problema?- Perguntou alto o suficiente para que a distância entre ambos não fosse um problema.
Após uma sutil análise, devido a sua vestimenta humilde e mãos calejadas, percebeu que o homem era provavelmente de fato um pescador em seu ofício.
- Olá, sim, há um problema!- Exclamou com facilidade, após decidir que esse sujeito não parecia uma má pessoa, se ela pudesse levar em consideração a luz amarela delicada que ele emanava.
- O senhor poderia me dizer onde estamos?- indagou ela, confiante, com um sorriso contido nos lábios.
- Hein? Não sabe onde está, senhorita?- expressou surpreso o pescador, com as sobrancelhas franzidas. Entretanto, apesar de sua desconfiança, respondeu- Estamos ao norte de Daeho, próximo ao Vilarejo Sari, precisamente às margens do lago Gyeongchangdaeho.
Infelizmente, essa informação não a ajudou de forma alguma a se localizar, mas ela não deixou que isso a abatesse.
- Entendo, então há pessoas lá? No Vilarejo Sari, quero dizer- pergunta ela, mesmo que pudesse sentir suas vidas à distância.
O senhor a encarou estupefato- É claro que há, é um vilarejo, afinal- exclama ele, impaciente e aparentemente estressado que uma desconhecida tenha interrompido seu trabalho para lhe fazer perguntas idiotas.
O vermelho se espalhou por seu rosto, e ela levou seus olhos ao chão, envergonhada.
- Desculpe, não era minha intenção aborrecê-lo- afirma lentamente, já arrependida de sua suposição errônea, esse homem não parecia alguém disposto a ajudar, pensou aborrecida.
   O pescador a encarou surpreso, remorso expresso em seu rosto, e logo a interrompeu envergonhado- Não, desculpe minha grosseria- suplicou, procurando em seus olhos por compreensão, e quando a encontrou, suspirou aliviado.
- Posso orientá-la até o Vilarejo, não é muito difícil, é só seguir a margem naquela direção- apontou para sua esquerda, ao longe.
Após uma análise minuciosa, ela constatou que de fato, se se concentrasse o suficiente, podia sentir uma grande quantidade de energia vital naquela direção, então decidiu testar as águas e continuar com a conversa.
- Muito obrigada, senhor...- interrompeu-se, ao perceber que não perguntou seu nome.
- Hyun-woo, ao seu dispor- exclamou com um sorriso modesto no rosto jovial.
- Aliás, não me lembro de ter ouvido o seu nome, senhorita- constata insinuosamente.
Essa pergunta a deixou constrangida, como explicar para esse sujeito que nem ela mesma sabia seu nome?
- Meu nome...- sua gagueira foi interrompida por um estranho ao longe.
-Ei, Hyun-woo, venha aqui, me ajude com isso- gritou o desconhecido.
Parecendo como saído de um transe, o pescador se virou para aquele homem, e respondeu- Estou indo, tio!
Após presenciar essa interação aparentemente familiar entre os dois, ela decidiu perguntar- Vocês moram por aqui?
Olhando novamente para sua direção, ele respondeu desconsertado- Na verdade não, moramos mais adiante, no Vilarejo.
    Um sorriso singelo se expressou em seus lábios, esse sujeito, apesar de não saber como ajudá-la, era muito prestativo.
Respirando fundo, ela tomou uma decisão.
-Entendo, então você sabe onde posso encontrar um pouco de comida?- questionou esperançosa.

Shining so Bright, I Knew It Had To Be You, My LightOnde histórias criam vida. Descubra agora