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Pov Wednesday

Levei a xícara aos meus lábios com calma, apreciando o amargor do meu café e observando o sorriso que a Sinclair concedia a câmera.

Dez anos haviam se passado, desde aquela fatídica noite, e eu ainda era totalmente apaixonada pela doce garota. De modo que, estava presa em uma de suas entrevistas, fazia mais de uma hora, simplesmente, porque eu amava escutar o som de sua voz.

Pausei o vídeo e examinei a sua imagem. Tão excelente era a resolução, que me permitia admirar as sutis linhas de expressão, as quais, se formavam quando ela ria gostosamente.

Suspirei com desânimo e desliguei o aparelho, repousando-o sobre a mesa de madeira bruta e rústica.

- Adan? -chamei fraco e a luz ambiente, de imediato, se tornou um azul leve, indicando sua ativação.

- Sim, senhorita Addams? Como posso lhe servir? -questionou manso- meus sensores indicaram uma vibração negativa no tom de sua voz, como tristeza, posso fazer algo a respeito? -o mesmo indagou, demonstrando sua total eficiência.

Adan era uma extraordinária inteligência artificial, de alto patamar, que atuava como meu assistente privado. Ele havia sido desenvolvido por mim, sendo uma de minha inúmeras inovações tecnológicas.

- Projete Enid Sinclair! -pedi com frieza, me obrigando a conter meus sentimentos.

- Projetando Enid Sinclair! -repetiu, criando um perfeito holograma da menor. Tamanha era a fidelidade que, eu poderia dizer que ela realmente estava em minha frente.

Fixei meus castanhos nos falsos azuis e perdi todo o fôlego, com os olhos ardendo e as primeiras gotas se manifestando.

- Eu queria que você estivesse aqui! -sussurrei magoada, arrumando meus fios negros.

- Eu estou aqui, Wednesday! -o holograma respondeu e eu sorri sem humor, refletindo sobre aquelas palavras.

Eu sentia um orgulho imensurável, sobre a pessoa que Enid havia se tornado, e aquilo me concedia a certeza de que eu havia feito a escolha certa. Afinal, nunca teria me perdoado se optasse por ficar consigo, impedindo seus sonhos.

Entretanto, ao mesmo tempo, a saudade era sufocante, de maneira que, nada mais parecia ter o mesmo significado. Desde que eu havia a abandonado, muitas coisas não faziam mais sentido, deixando-me um tanto amarga em relação a vida.

Não consegui continuar sustentando meu olhar sobre o holograma, então, desviei minha atenção para a janela panorâmica, me forçando a segurar o choro.

Eu podia contemplar toda a cidade de Nova Iorque do meu escritório, admirando-a ainda mais iluminada com a aproximação da noite.

Recuperei a consciência, quando escutei a porta se abrindo devagar, contudo, sequer dei importância. Eu possuía ciência sobre quem era.

- Willa, você deveria parar de se torturar desta forma! -Eugene me aconselhou preocupado, fitando a falsa Enid.

- Adan, por favor, faça como o senhor Ottinger disse -pedi, sem forças para discutir, e o programa me obedeceu.

O silêncio pairou sobre o ambiente por poucos segundos, sendo interrompido pelo suspiro do cacheado.

- Eu lhe trouxe os percentuais de crescimento desta semana, a unidade de Chicago tem se mostrado mais promissora do que deduzimos! -pontuou, me estendendo alguns papéis.

Analisei cada um com absoluta concentração, satisfeita ao receber excelentes resultados de minhas filiais.

- O instituto sugeriu uma nova campanha, algo sobre arrecadar fundos para instituições carentes! Eu gostei de como isso soa! -complementou, me mostrando o rascunho da ideia. Eu a aprovaria de qualquer modo, afinal, confiava na opinião do rapaz.

- Eu deveria expandir o instituto, talvez criar mais sedes! -sugeri pensantiva, pensando a longo prazo.

Eu havia fundado o lugar no ano anterior, para pesquisas de novas tecnologias e formação de novos profissionais, e os resultados estavam sendo promissores.

- Sim, isto seria bom! Mas, eu tenho algo melhor para você! -o menor comentou, mais agitado que o normal, ignorando meu raciocínio de negócios.

Eu assisti intrigada, enquanto o mesmo depositava a minha frente, um convite branco, com letras douradas. O qual, eu li brevemente, me surpreendendo por completo.

- Lucas realmente a pediu em casamento! -ele exclamou com um grande sorriso, estando contente demais.

- E Bianca realmente aceitou! -resmunguei sarcástica e quase divertida. O rapaz havia demorado para pedir a mão da Barclay, considerando que namoravam desde a adolescência.

- Eu devo confirmar sua presença? -me perguntou, tentando disfarçar sua expectativa. Entretanto, Eugene Ottinger era incapaz de esconder qualquer sentimento.

Eu comprimi os lábios, deixando minha mente analisar todos os pontos, sem chegar a uma conclusão, de fato.

- Eu ainda não sei! -fui honesta, implorando internamente para que ele se contentasse com a resposta.

O Ottinger ficou mudo por alguns instantes e depois concordou, meio decepcionado.

- Certo, eu vou esperar por seu veredito! -concluiu, me desejando uma boa noite e se retirando.

Suspirei cansada e massageei a raiz de meu nariz, concluindo que estava na hora de encerrar meu turno. Eu estava disposta a pensar sobre o convite.

Sendo assim, apanhei meus pertences e meu sobretudo, seguindo ao estacionamento. Me acomodei em meu carro e dei partida, apreciando a brisa, que se tornava gelada, conforme eu corria pelas ruas de Nova Iorque.

O trânsito não estava tão ruim, o que me permitiu chegar em casa rapidamente. Não me dei ao trabalho de estacionar, somente cumprimentei meu segurança e lhe estendi a chave, em um pedido mudo que ele entendeu.

Segui direto ao meu quarto e choraminguei manhosamente, ao o adentrar. Aquele era o único lugar, onde, eu me permitia abaixar a guarda.

De todo modo, enchi minha banheira, agradando meu corpo com a água quente por longos minutos, e quando finalizei meu banho, vesti um roupão, me servindo um copo com Whisky. Estava pronta para decidir sobre o convite de casamento.

Cogitar voltar a Madison disparava meu coração, principalmente sob aquelas circunstâncias.

Eu visitava a cidade todos os anos, somente para ir ao cata-vento e apreciar uma xicara de café amargo. Todavia, era uma viagem secreta.

Eu sempre me certificava que, pessoa alguma saberia sobre minha presença, nem mesmo minha família. E minha estadia na província durava apenas um dia.

Nunca optando por datas comemorativas, buscando concede-las a Enid. A Sinclair, ao certo, menosprezada minha pessoa, então, não iria submetê-la a me encontrar na cidade.

Sendo assim, meus pais e irmão se esforçavam para vir a Nova Iorque nos feriados, ansiando me fazer companhia.

Neguei com a cabeça e dei o gole final em minha bebida, minha decisão estava feita. Eu não sabia se me arrependeria depois, entretanto, iria fazer por consideração ao casal.

Apanhei meu celular e disquei aquela conhecida sequência de caracteres, sendo atendida em poucos instantes.

- Confirme minha presença Ottinger, eu vou ao casamento! -sentenciei firmemente, disposta a abandonar minha zona segura, ao menos por um mês.

Chocolate & AmargoOnde histórias criam vida. Descubra agora