Loyd

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Sonhos.

Eu não era normal. Isso eu já tinha percebido. Infelizmente você aprende com a dor. Pelo menos era isso que sempre me repetiram.

Eu estava caminhando pela cidade. Pelos nevoeiros de fumaça das fábricas. Flores me circulavam, mortas. Não haviam mais pessoas vivas além de mim, que caminhava lento por escombros de uma antiga civilização destronada. Tudo lá permanecia intocado. E ninguém poderia me arrancar aquela vista.
A única construção que permanecia de pé era uma antiga casa de teatro ao lado de um cemitério. Lá dentro, uma verdadeira obra de arte se encontrava deteriorada com o tempo.

Tinha tantas cores, formatos e sentimentos envolvidos nela que eu não resisti a tentação de tocá-la mais uma vez. Aquela pintura serena e gélida ao toque me transmitiu uma sensação que eu nunca antes tive: a paz absoluta. Observando aquela pintura, que não se soltaria tão fácil de meu imaginário, eu senti um toque em meu ombro.

Não quis virar, pois isso desgrudaria meus olhos da pintura.

- Ei, está acabando. - Dizia a voz - Falta pouco. - Repetia ela tantas vezes.

Estava me sentindo muito bem... na verdade, bem demais para estar acordado.

- Está acaban-...

[...]

Um estalo foi o que me acordou, e a primeira coisa que eu vi foi o concreto, me recebendo com um abraço. Eu havia caído no chão.

Irritado com meu sono interrompido, levantei-me.

Essa sensação era familiar, a dor banhava meus pensamentos. Meus olhos estavam cansados, e a mente trabalhava lenta e dolorosa.

Eu morava naquela parte da cidade onde ninguém era feliz. Não é uma realidade muito distante ou desconexa dos dias atuais, porém é o tipo de coisa que eu era obrigado a viver. As ruas eram minha casa.

Eu não tinha onde dormir. Não estava com vontade de ser punido pelo toque de recolher, então eu simplesmente desembolsei todo o meu dinheiro para poder dormir com o peso apoiado em uma corda. Ridículo? Eu concordo, mas eu nunca me importei muito com o que pensavam de mim.

Junto de mim tinham outras pessoas. Todas no mesmo estado deplorável que eu, ou seja, sentindo o sabor dos tijolos de pedra lisa ao beijar o chão.

Todas aquelas pessoas comigo seguiram seu rumo. Algumas seguiram ao sul em direção ao Castelo de Mara e a Praça de Zahi, outras foram a oeste em direção ao lado mais pobre, onde não tinham fábricas, mas a fumaça reinava. Enquanto eu fui o único a não seguir a lugar nenhum.

Era mais útil permanecer no presente que pensar no que poderia acontecer.

Meu mundo era caos. A economia estava totalmente descentralizada, os moradores da área oeste estavam sendo dizimados pela gota, ataques terroristas aconteciam o tempo todo e eu era apenas mais um em uma multidão desesperada. Era muito desconfortável estar onde estava.

Sentia que as pessoas roubavam o ar que eu respirava.

O meu sonho era fugir de lá. O meu único sonho. Fugir de lá e viver no meio do mato seguindo minhas regras. Ninguém prestava. Ninguém era bom. Eram todos egoístas avarentos e sem amor. Na realidade, amor não passava de um conceito utópico e inexistente para mim.

Passei cinco minutos sentado em meio à névoa da cidade. Um cheiro forte de excrementos, provavelmente humanos queimava os pelos do meu nariz. A sensação era de nojo, de fato.

Foi então que desisti de lutar contra a fome. Não aguentava mais ficar com o estômago vazio.

Caminhei pela sorte, até finalmente conseguir ver em meio à névoa um pouco de luz. Uma incrivel padaria se erguia em minha frente, e eu não podia perder tempo. Finalmente, depois de muitos minutos revirando o lixo, encontrei sobras de alguns alimentos. Alguém tinha conseguido criar coragem para jogar fora um sanduíche com um mísero pedaço de mofo. Além disso, encontrei um pequeno croissant de queijo e após uma longa batalha contra uma ratazana, uma fatia generosa de um bolo de frutas vermelhas.

Não Tínhamos EscolhaOnde histórias criam vida. Descubra agora