Pale

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Medos.

O primeiro medo que se aflorou em meu corpo foi o de acordar. Sentia todo o meu corpo ardendo como se tivesse sido espancada. Coisa que de fato aconteceu.

No jogo da sobrevivência, eu estava no fim da cadeia alimentar. Eu não estava bem, mas Não Tinha Escolha.

Eu estava enferma havia uns dias, e isso me tornava totalmente incapaz de trabalhar nas minas de carvão. Percebi isso enquanto desmaiei no meio do expediente. Eu era uma inútil, um peso morto. Era o que eu era obrigada a escutar sempre que acordava. Minha mente sussurrava essas palavras constantemente.

Me levantei antes do papai. Meu segundo medo do dia foi acordar ele.

De fato, não teria me levantado naquele momento se não estivesse prestes a vomitar, me dirigi apressada até a pequena casa do lado de fora, onde costumava ser o toalete. O vômito fluiu de minha boca como uma nascente, tinha gosto de vinagre e soava como fogo queimando um pedaço de madeira. Fiquei uns bons minutos lá.

Dores fortes percorriam meu estômago, não me dando a menor vontade de comer. Me restou ceder ao cansaço e me deitar novamente.

Essa era minha rotina. Eu tinha só quatorze anos.

Aquele dia estava sendo pacato. Ouvi o som do papai abrindo a porta do quarto. Passos desengonçados de uma pessoa com ressaca prosseguiram até a cozinha. Senti mais um medo: estar existindo, e, principalmente, ser percebida.

O sol já se aproximava do meio do céu, indicando a chegada da segunda hora. De fato, nunca saberia desta informação se não tivesse ouvido o papai se dirigir até a porta e sair de casa, me deixando sozinha.

Eu me sentia muito mais segura quando estava sozinha em casa.

Segui quieta até o quarto do papai. Sei que não deveria estar fazendo isso, porém, algo lá era meu.

Retirei cuidadosamente a cama do lugar, e deixei exposto o pequeno alçapão. Uma senha de quatro letras aguardava para ser acertada. Eu sentia o relevo das letras em minha mão. Lentamente rodei os eixos. O primeiro eixo foram quatro vezes para cima. O segundo eixo foram sete para cima. O terceiro, nove para baixo. O último, um para cima.

Um "clique" anunciou meu acerto, e me permitiu tocar minhas mãos no que havia dentro. Uma pequena chave, com detalhes em relevo, pareciam pequenas rosas talhadas em ouro.

Peguei a chave e saí pela porta.

Eu não tinha para onde ir.
Mas seria meu último dia morando lá.

Andei por ruas específicas, sem me preocupar com o tempo. O importante era estar longe. Finalmente cheguei em algum lugar: A praça do distrito. Lá ouvi pássaros cantando ao redor de uma fonte, o local estava vazio.

Contei meus passos da borda da calçada na entrada até o começo da fonte, dezenove passos.
Virei para a esquerda e continuei caminhando. Cantarolei enquanto segurava fortemente contra meu peito a chave de ouro:

"There once was a lady
Whose heart were made out of pure gold.
I were just a child
Who didn't knew nothing 'bout the world."

Segui pelo único beco e cheguei no lugar onde queria chegar. Soube disso pois ouvi um som característico: Um miado por trás de uma porta.

//–//

Coloquei a chave na fechadura, e girei. Abri a porta e logo senti uma bola de pelos se esfregando por meus pés.

– Ei, Lazy! Fica quieta. Vão descobrir a gente – falei rindo um pouco.

Não Tínhamos EscolhaOnde histórias criam vida. Descubra agora