II

43 1 0
                                    

"O mistério da existência humana não reside apenas em permanecer vivo, mas em encontrar algo por que valha a pena viver." Fiódor Dostoiévsky

Londres, 8 de maio de 1995

          "NO AR", sinalizava a placa acima da porta daquela salinha acústica. O ambiente era escuro, lembrava mais uma cabine telefônica do que um estúdio, na verdade, apenas a luz acima dele iluminava o ambiente. A única coisa devidamente chamativa ali naquela sala era o blazer azul de August, e uma singela margarida que havia ganhado na entrada do prédio devidamente depositada dentro do bolso do blazer. Ele simplesmente decidiu que um dia escuro plenas 6 horas da manhã como aquele precisava de uma dose de alegria melancolicamente aplicada. August olha rapidamente para o relógio de pulso, mas não tinha pressa, embora a cadeira vazia a sua frente simbolizasse que alguém havia se atrasado para o seu compromisso.

          Diante dele, uma mesa cheia de fios que ligavam a dois microfones e algumas maquinas que ele não sabia para que serviam, mas julgou seu funcionamento essencial para a quantidade de cabos ligados. De repente, um ruído preenche aquele pequeno espaço; o rádio despertador - poucos centímetros de distância ao seu lado - começou a tocar, provavelmente a estação que estava escutando seria a que estava sendo gravada na sala ao lado.

"HOJE, DIA 8 DE MAIO DE 1995, COMEMORA-SE O QUINQUAGÉSIMO ANIVERSÁRIO DO CESSAR FOGO DA GUERRA.

Eu sou Rob Curling, da BBC News, falando diretamente da estação 94.4, estação do nosso querido colega de equipe Bruce Belfrage¹ [informação presente na nota de rodapé, final da página] em seu tributo nesse dia histórico, onde comemoramos os 50 anos desde o fim do período mais terrível que a humanidade pôde presenciar. Grandes cidades na Europa - como Berlim, Kiev, Mônaco e Varsóvia, comemorarão esse dia com passeatas em tributo pelas grandes avenidas, alguns de nossos repórteres já estão esperando nos pontos específicos para nos trazer mais detalhes neste exato momento. Alguns dos veteranos e heróis da guerra também se fazem presentes nos desfiles, apresentando novamente ao mundo um grande símbolo de resistência em busca da paz. São 6 horas e trinta e cinco da manhã e a promessa é de um lindo dia de sol. Tenham um bom dia."

          August sorriu com as últimas palavras, balançando a cabeça. Habitava em Londres há quase 30 anos e nunca tinha visto um dia de sol que fosse, de fato, lindo; como nos desenhos de criança, sabe? Aqueles sóis desenhados no canto da folha, amarelos e vibrantes e descobertos por nuvens, já que elas se encontravam estrategicamente localizadas no plano azul do papel, onde o céu era representado. Não era o que acontecia ali. Lembrou que sua filha, quando era criança, gostava de dizer que o sol de Londres era muito tímido. Então, pensou se, na verdade, aquele locutor não quis apenas falar algo que ele mesmo adoraria ouvir - isso, na verdade, era bastante comum.

          Ele havia sido convidado para esse programa há um mês. A ideia principal do programa era a de convidar alguns veteranos para contar das suas experiências durante a guerra - August só não entendia o porquê aquilo era um motivo de comemoração global. Talvez ele que havia sido ensinado a deixar o passado no passado, mas ter que relembrar todos os detalhes de uma guerra mundial não deixava de lhe causar algum estranhamento, quem dirá para aqueles que ouvissem aquilo no futuro e tivessem passado por situações piores. Sentado ali esperando, August se sentia como um paciente aguardando por um resultado difícil e demorado - talvez o ambiente escuro lembrasse aquela sensação de hospital memorial. Demorou quase uma hora para que, finalmente, alguém batesse a porta. August se levanta para receber quem quer que entrasse.

- Bom dia, senhor. Sinto muito pelo atraso. - O rapaz entra na sala, carregando uma pasta em uma mão e papéis na outra - A chuva está avassaladora em Walworth.

GratiaOnde histórias criam vida. Descubra agora