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"O amor não pode ser medido em prata, porque ele é o que dá valor à prata. Sem o amor, o ouro, a prata, a beleza... Não valem coisa alguma." 
~Padre Willibald, Vinland Saga

          Evan abraçava os próprios joelhos, sentado no parapeito da enorme janela da sala de recreação, as outras poucas crianças no fim da sala conversando entre si faziam a atmosfera parecer bem menos silenciosa. Mas não para ele, em sua mente havia um tremendo vazio, um silencio ensurdecedor. Havia chegado há pouco menos de um mês no Orfanato Presbiteriano de Hammersmith, e suas tardes eram resumidas naquilo: se sentar no parapeito e observar o além onde não poderia ir, assim como também fazia na sua antiga casa. O vento frio de outono soprava pelas frestas da janela, fazendo Evan encolher-se ainda mais. O vidro embaçado refletia sua silhueta esguia, um contraste solitário contra a vastidão lá fora. 

          De todos os lugares do mundo em que se imaginava estar, jamais escolheria Londres como uma opção para seguir a vida. Londres era uma cidade que ele mal conhecia, um labirinto de ruas e edifícios que pareciam infinitamente distantes do campo aberto onde crescera. Ele não conseguia se acostumar com o som incessante dos carros, as pessoas apressadas, e o cinza constante que dominava o céu. Passou muito tempo pensando o tanto que sentia falta do cheiro da terra molhada após a chuva, dos campos verdes que se estendiam até onde seus olhos podiam ver. Ali, no entanto, tudo era diferente, e ele se sentia pequeno, como se estivesse perdido em um lugar que não lhe pertencia. Então, percebeu que em Hallstatt também nunca tivera isso. Tudo que se lembrava do antigo lar era apenas da mesma vista para fora da janela de seu quarto, talvez algumas poucas fotografias do pai quando mais jovem mostravam um cenário quase que "atual" da cidade para aquele pobre menino, e então ele se sentiu confuso. Havia nascido naquela cidade, mas não conhecia nada da própria cidade, havia crescido naquela enorme casa e não conhecia nada que não fosse da porta da casa para dentro.  

          Natan o havia "deixado" alí naquele orfanato pouco tempo depois de deixarem Hallstatt. Não sobrou muito do que Evan tinha na cidade para que pudesse trazer consigo. Depois da enorme destruição da sua casa, ele passou alguns dias com Natan em um quarto de hotel velho e apertado, localizado num bairro também velho e apertado. Não tinha cama para os dois naquele quarto, na verdade, a cama que tinha mal cabia o pequeno corpo infantil de Evan – era um quarto único, uma prateleira e uma pequena mesa; sem fogão, sem banheiro. Por vezes, Evan pegava se perguntando o por quê Natan havia adotado o mesmo hábito de olhar através das janelas em um dos hotéis em que estavam, como se ele estivesse esperando, ou temendo, que alguém viesse buscar os dois.

• UMA BREVE INTRODUÇÃO À VIDA DE NATAN FRITZ •

          A vida daquele homem sempre foi envolta em muito mistério, não se tem muito registro de sua infância, ou dos tempos de academia. Não se tem registros o suficiente para saber se ele, de fato existiu. Tudo relacionado a esse homem é de que, como um ser grotesco e vil, ele sempre foi excelente em mascarar as próprias atitudes – quer dizer, ninguém jamais imagina que a pessoa gentil que mora na casa ao lado seria capaz de fazer as coisas que esse homem e os seus fizeram. Natan vivia para sustentar esse tipo de máscara.

          Natan Fritz nasceu em Viena, no subúrbio de Neubau; filho de um renomado acadêmico com uma pianista de prestígio. O rapaz nasceu em um ambiente acadêmico refinado, era filho da elite austríaca e sempre se destacou pela sua exímia aptidão para linguagem e uma habilidade quase natural para se misturar em diferentes ambientes – tais habilidades foram uma mão na roda para aquele garoto em 1938, quando as forças nazistas anexaram a Áustria. Uma pena que isso não teve muito proveito para o garoto naquela época, já que ele e sua família tiveram que fugir para a Suíça pouco tempo depois, uma vez que o pobre Natan, além de sua ascendência eslava vinda de seu pai, ainda recebeu o mais gracioso "rótulo" de judeu por toda a eternidade, vindo de sua mãe judia.  Mas isso parecia não o afetar de maneira nenhuma, já que voltou para Viena um pouco depois como mais novo aliado do Eixo, puxando sardinha pro lado dos nazistas e abandonando tudo o que ele um dia foi – suas origens e até mesmo o próprio "DNA judeu". O seu duvidoso retorno a Viena e o inexplicável orgulho ao regime nazista fizeram daquele garoto que, um dia fora forçado a deixar sua vida em sua cidade natal, um homem. Em um mundo onde a deslealdade e a traição eram comuns, Natan se destacou como um dos jovens colaboradores do regime; ele usava seu charme e inteligência para infiltrar-se nas esferas mais elevadas da sociedade. Seus conhecimentos em idiomas e sua educação privilegiada permitiram-lhe navegar entre os oficiais nazistas e os aristocratas austríacos, sempre um passo à frente dos outros, sempre em busca de novas oportunidades. Tornou-se um membro respeitado dos círculos sociais que uma vez desprezara. Na mente de Natan, a lealdade à sua nova causa era mais do que apenas sobrevivência; era uma chance de reescrever sua própria narrativa, um ato de rebelião contra suas origens que ele agora via como uma fraqueza.

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⏰ Última atualização: Dec 24, 2024 ⏰

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