Gratia

III

"Pois é preciso crer afoitamente que o que é, é." ~ Vicent Van Gogh

"Seu alistamento foi nesse período, certo? Na Batalha da Grã-Bretanha..."

          Isso mesmo.

"Como foi esse processo para você?"

          Eu me alistei um tempinho curto depois do meu casamento, acho que uns 5 meses depois. Foi um choque para nós quando a carta de convocação chegou na nossa casa - de fato não esperávamos ter vindo tão cedo, mas não tínhamos muito tempo para pensar, então eu fui. Daí voltamos para aquela questão de dever: muitos acham que isso é ato de heroísmo, sabe? Ter se alistado para a guerra e tudo mais... Não fui para lá para ser herói, fui porque tinha que ir, fui porque isso foi imposto a mim e não tinha mesmo o que fazer; se eu tivesse poder de escolha, eu teria escolhido não ir. Eu acho que todos os homens que foram para o batalhão pensam da mesma maneira, até mesmo os mais nacionalistas também devem pensar assim.

"E como o procedimento foi realizado?"

          Como aconteceu?

(pausa longa)

          A primeira coisa que você via quando chegava no quartel era um corredor gigantesco cheio de gente; alguns estavam sentados nas poucas cadeiras que tinham acopladas nas paredes, outros estavam sentados no chão, outros estavam em pé há horas. Quando eu cheguei no quartel, eu logo entrei numa sala junto com um outro rapaz, Hernand Dewey, se eu não me engano – sei muito pouco sobre ele. Na minha cabeça, esse rapaz não tinha nem 20 anos direito, mas se estava na fila da triagem então já tinha chegado a maioridade.

           Essa triagem era feita de dois em dois, para poupar tempo, talvez. Fomos então avaliados pelo médico, naquele procedimento padrão de todo alistamento - checa a pressão, pergunta se tem alguma questão de saúde... estas coisas – só que eles pareciam estar com muita pressa em atender todo mundo que estava ali, então foi uma coisa tão negligenciada que não dava para saber se aquilo era um procedimento sério mesmo ou puro ato de desespero do governo. Tínhamos que entrar na sala com uma pasta, dentro dela tinha uma ficha sobre nossos dados e nossos documentos anexados; o médico carimbava todas as pastas e nos liberava depois de um tempo. Tive certeza que seria aceito quando passei pela triagem e não vi que tinha uma seleção real ali, todos os homens passavam pela avaliação e entravam automaticamente, foi aí que eu concretizei o meu questionamento anterior: era desespero - não se coloca a vida de pessoas em prova num campo de batalha dessa maneira tão vil se você não tiver, no mínimo, desesperado.

          Depois da triagem, fomos todos direcionados para uma pista enorme fora do quartel, era mais uma pista de atletismo; na verdade, acho que era uma pista de atletismo, sim. Lá os oficiais nos separaram em duas filas: uma cujo a cor do carimbo nas pastas era verde e uma outra fila de carimbos azuis. Eu fiquei na fila de carimbos azuis mas, aparentemente, não tinha muita importância aquilo, não – isso se você levar em consideração que a triagem no começo servia para selecionar as pessoas e não tinha cumprido esse papel, então aquela pequena separação podia não significar nada. Mas todos pensavam que a diferença das cores do carimbo eram para separar quem tinha sido convocado e quem seria liberado, só depois que um dos oficiais presentes ali veio explicar a separação das filas: os verdes seriam designados para a linha de frente e os azuis seriam mandados para um treinamento para ataques aéreos. Eu lembro exatamente da cena: tinha muitos homens desesperados ao saber que pilotariam os aviões – teve um cara que desmaiou, um outro estava taquicardico; eu fiquei bem tranquilo, talvez quando se vá pra uma guerra já pensando que vai morrer te leva a evitar esse tipo de situação, até porque não tem como esperar algo que não seja o pior vindo dali. Você tem esperança? Ótimo, você vai ter que perdê-la antes de ir pro campo de batalha – é assim que as coisas funcionam por lá.