Capítulo 1 - POV Celina Couller

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"Vai começar! Vai começar!" Exclamou Catrina, sua voz esganiçada soada lá de cima.

A portinha do porão se abriu com um alto rangido, uma vela já bem gasta iluminando o rosto de Catrina e criando sombras nas paredes de uma tinta branca descascada.

Ouvi o apresentador fazer sua entrada animadamente, enquanto Catrina repousava a pequena TV do tamanho de um rádio de mão em cima da mesinha.

"As inscrições já começaram?" Perguntei, esforçando para manter um tom de indiferença em minha voz, apesar de que, só em pensar na Seleção, gotículas de suor surgiam nas palmas de minhas mãos.

"Sim! Parece que as primeiras remessas já foram enviadas," ela inclinou a cabeça para o alto, contando os dedos da mão, "Angeles, Kent e Allens. Hmm, quase me esqueci do bolo! É de chocolate, seu favorito," ela desembrulhou um lencinho florido, revelando uma fatia bem gorda de bolo, um veludo marrom fofinho.

Dei gritinhos de alegria, um longo gemido arrancado de meus lábios assim que o gosto adocicado atingiu minha língua.

Existia algo melhor que bolo de chocolate?, pensei.

A voz gritou novamente pelo rádio, a imagem descolorida exibindo um senhor de idade. Ele tinha cabelos grisalhos perfeitamente penteados para trás, um terno elegante passeando pelo palco iluminado, flash de câmeras estourando para todos os lados se sincronizando com os passos de Gavril, a grande lenda de Illéa.

Ele estava falando alguma coisa sobre mais cartas terem sido enviadas, desta vez em Midston, Kent e Ottaro, este ultimo fazendo Catrina soltar um suspiro nervoso. Ottaro era a nossa província. Nosso lar. Eu a entendia; Estava estupefata! A seleção era uma dádiva para todas as moças e rapazes de Illéa. Uma oportunidade única. Uma oportunidade que eu jamais poderia ter.

"Hmm, você escreveu mais algum poema hoje?" Perguntou Catrina, seus olhos transbordando de pavor para mudar de assunto.

"É, eu escrevi algumas coisas. Mas isto não importa, não é? Eu nunca serei uma escritora. Serei sempre uma Oito," respondi, revirando os olhos.

O rosto de Catrina se contorceu em uma careta, e, mesmo assim, me surpreendi por ela continuar tão bonita, fazendo carranca ou não.

Cenas ricochetearam em minha cabeça, como raios em uma tempestade horrível. A escolinha, as crianças correndo para a saída, sendo puxadas por Catrina para um beijo estralado na bochecha antes de voltarem a correr, indo embora. O rosto de Catrina ao me ver, encolhida entre lixões, a pele tão suja que eu poderia ser confundida facilmente com um saco de lixo qualquer.

Ela sempre foi boa em lidar com crianças, seria uma mãe maravilhosa se pudesse. Infelizmente, ela nunca poderia. Mas, o fato de não ter filhos ou um marido nunca foi o bastante para fazê-la desistir, e ela nunca desistiu de mim. Ela era a minha professora, amiga, mãe. Ela era tudo o que tinha.

Abracei meus joelhos, prensando-os contra meu peito. Em minha mente, tudo se resumia a um furacão de letras, prontas para serem passadas para o papel. Suspirei alto, me segurando para não riscar palavras pelas paredes de tão agoniada.

"Não deve ser tão boa assim," soltei de repente, os olhos mirando meus pés, a sujeira debaixo das unhas se estendendo até os calcanhares "Digo, a seleção. Ela nem deve ser tão boa como dizem. Sabe, ter que conquistar o príncipe e aprender a se portar como uma princesa. Eu realmente não me daria bem nisso."

"É, você tem razão. Seria injusto demais para as outras selecionadas deixarem uma garota tão linda participar," ela respondeu, um largo sorriso cortando o rosto rosado.

Pela segunda vez, revirei os olhos. Nunca havia conversado com outra pessoa que não fosse Catrina. O que eu diria ao príncipe quando chegasse a vez da minha apresentação? Rabiscaria palavras em um papel qualquer, fingindo ser muda? Faria mímica?

"Talvez seja melhor assim. Pouparei o tempo de todos. Afinal, o que eu estava pensando? Que de repente uma carta da seleção iria magicamente parar aqui na escola, no porão? Tolice!" Resmunguei, meus dentes roendo as unhas com ferocidade. Tive uma esperança boba, apenas.

Você é uma Oito, Celina. Oitos não vão pra seleção. Oitos jamais serão escolhidos, eu pensei comigo mesma, recitando as palavras, decorando-as em minha cabeça, repetindo-as milhares de vezes, e só pararia quando eu tivesse finalmente acordado de todo o meu sonho. Eu precisava acordar.

Olhei para Catrina uma hora quando já estava quase passando os dentes para a outra mão, roendo as unhas restantes. Ela não olhava para mim, estava pensativa. Seu nariz estava levemente franzido, uma indicação de que ela estava irritada. Ela sempre costumava franzir o nariz para mim nas aulas de Cálculos, já que eu praticamente dormia na sua frente. No entanto, quando ela finalmente olhou em minha direção, pude ver que ela não estava nervosa. Não, pelo contrário. Estava radiante, provavelmente orgulhosa de algum plano mirabolante que tinha acabado de fazer.

"Sendo ou não sendo selecionada, você irá para o castelo. Eu tenho um plano!" Ela disse por fim, sua voz confiante me deixando apenas mais curiosa.

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