Adorable Triangle

o limiar do caos

dipper pines

O efeito vinheta se atenuou conforme suspendi as pálpebras. A vista tornou-se um painel matizado por azuis desgastados a contornar os móveis do quarto, este muito similar ao que Mabel e eu dividíamos durante as hospedagens na Mystery Shack. No vitral triangular embaçado, infiltrava-se a sombria luz do crepúsculo vagante pela densa floresta afora. Junto a crepitantes grunhidos de folhas e galhos bailando ao vento, o macabro cantar dos corvos estabelecia ares aterrorizantemente familiar.

Nesse intervalo de compreensão, recordei-me dos últimos minutos de diálogo com Bill Cipher. Esclarecia-se a lei que regia seu comportamento: realizar todas as vontades do contratante em troca da alma quando houver um pacto, equivalente ao pagamento à vista. Sem pacto, elas seriam saciadas a longo prazo, até que um vício particular dominasse o contratante e causasse sua morte de alguma maneira. Como relatado por Bill, o russo se foi pelo álcool e cigarro; e o neerlandês, pelo próprio lunatismo.

Sobre minha suposta cama frente à da gêmea, encolhi o corpo em posição fetal para me esconder do frio da manhã. Avistei de relance uma silhueta no leito de Mabel. Pisquei brevemente. De novo, o pesadelo. Olhos âmbares se destacaram na miserável iluminação como os de uma fera pronta ao ataque. Em seguida, sob o vitral, acenderam-se as três velas do candelabro da escrivaninha entre as camas. O ambiente assim coloriu-se calorosamente em tons queimados de laranja, contrastando com o tempo nublado da janela. Em seu ombro direito, Bill Cipher deitava-se de lado e apoiava o rosto no palmo destro, enquanto a outra se contraía no sorriso travesso. Por resignação, hipnotizei-me diante do demônio.

A situação embaraçosa era consequência das minhas escolhas. Restava-me então arcar com as responsabilidades. Abraçado aos joelhos, neles enterrei a feição de vergonha. A cada segundo que se passou sem o desgraçado proferir uma sequer palavra, pressenti que a ansiedade destruiria mi'alma antes dele.

Ouvi um rangido lígneo se aproximando. Inspirei profundamente. Os longos dedos de Cipher engancharam em meus fios, puxando-os com suavidade para erguer a cabeça e obrigar-me a manter contato visual consigo. Da minha perspectiva, o loiro parecia muito mais alto e ameaçador. Sua canhota jogou a dourada franja despojada para trás e ele deu uma mordida discreta no lábio. Nesse ínterim, moveu-me firmemente pelo cabelo. A soberba encarada de cima sorveu meus arrepios e, em transe, o corpo obedeceu à rotação como uma alavanca enferrujada. Fiquei sentado de joelhos. A boca, ligeiramente trêmula, estava na direção de seu quadril, já a visão se fixava ainda sóbria nas flavescentes nuances tentadoras do seu olhar cínico.

— Sentiu a minha falta? Pode admitir que sim. — deu uma risada zombeteira sobre a voz arrastada e maliciosa. — Conheço bem o fundo do poço dos seus desejos, Pinetree. Você é um nerdzinho depravado.

O quarto reconfortante e aquecido no meio de uma floresta fria, as roupas folgadas, as provocações. Tudo era um truque psicológico barato, uma tentativa de estabelecer uma intimidade entre nós. Mas eu não cairia nessa. Com lucidez, era fácil disfarçar as reações instintivas aos estímulos inoportunos.

— Na sua presença, qualquer tempo além do profissional é dispensável. Pode fazer o que quiser comigo. — o afinco temperou-se com uma pitada de temor. — Eu não me importo e não irei ceder a qualquer oferta vinda de você.

Com brutalidade, o loiro soltou as madeixas castanhas. Apesar da distensão no couro cabeludo e do embalo no pescoço, mantive a percepção sobre sua fisionomia. Devido à rejeição, os ombros torneados e as sobrancelhas franzidas murcharam, porém não ficara completamente cabisbaixo. Ele cruzou os braços, encravou o joelho direito entre os meus no colchão e projetou a pélvis para frente. O moletom se ajustou no volume diante de mim. Engoli seco, à espera de um ataque violento.