tarado por botânica, suspense e magia

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dipper pines

Era o quinto verão que eu passava em Gravity Falls, mas dessa vez era contra minha vontade. Tudo era culpa da gêmea mais velha querendo visitar Stanley e Stanford, mesmo sabendo que nossos pais – ocupados com o trabalho – não a levariam da Califórnia até Oregon e, muito menos, permitir-lhe-iam ficar sozinha num ônibus por horas. Infelizmente, ela também sabia que a força parental era defensora da união familiar e comovia-se consigo pelo fato de ser a primogênita. Eu então fui ameaçado: caso não acompanhasse Mabel Pines na viagem, eu perderia o apartamento no qual residia alegre e solitário desde os meus 17. Afinal, papai e mamãe o financiavam e me bancavam.

Desconfiava de que o egoísmo da Mabel fosse justificado pela minha mudança de endereço. Ela estava enciumada porque a abandonei a fim de me dedicar aos estudos. Todavia, sua tentativa de nos reunir nas férias era um fracasso, pois eu precisava fazer um artigo acadêmico.

Minhas unhas roídas tamborilavam na madeira. Dois livros estavam abertos sobre a mesa: um romance policial e um guia alquimista. Conforme o tédio e cansaço se alternavam com a determinação, eu terminava o último volume de Sherlock Holmes e começava a concentrar-me na introdução de uma das obras recomendadas pelo professor, a qual nem era tão interessante. A obsessão pelo projeto inconcluso da faculdade era o que me fazia lê-la. E era plausível: o tal definiria a relevância do meu intelecto ao mundo.

A bibliotecária grisalha, atrás do balcão, olhava-me com desdém. Estivesse julgando o boné que eu usava num local fechado e as batidas contínuas dos meus pés no chão – ou talvez não fosse com a minha cara mesmo. Repentina, ela encarou algo atrás de mim.

― Oi, Dipper! ― a voz infantil e animadora soou como um caco de vidro se quebrando.

Reconheci Mabel pelo escândalo e imaginei que sua vinda tratava-se de me convencer a festejar na despedida da Mystery Shack, consequência do nosso antepenúltimo dia na cidade. A princípio, seria surpresa, mas eu mencionara ontem que não sairia da biblioteca enquanto não lesse o guia. Portanto, na manhã de hoje, a gêmea decidira revelar que se envolvia com alguns amigos na organização de um evento. Notei suas esperanças, em ver-me comparecer ao local, sustentarem-se na hipótese de que eu considerava o empenho dos outros. Embora eu tivesse consideração, não podia e nem queria festejar.

― Será que pode falar mais baixo? ― eu me virei na cadeira, com uma expressão carrancuda para contrariar aquele sorriso extenso e metálico. ― É a terceira vez que você vem. A minha resposta continua negativa.

Eram umas cinco da tarde e aquele lugar estava vazio. Não havia razão para forçar o silêncio, porém eu era um hipócrita educado a ponto de respeitar as regras em quaisquer circunstâncias que não ameaçassem minha vida.

Mabel arrastou um assento próximo a mim. Espremi as pálpebras com o gemido do soalho e tive medo da reação da bibliotecária. Apoiei o queixo nas mãos e sobrelevei os olhos para a garota. Decidi fechar o romance e aproximar o guia a fim de facilitar a leitura.

― Dipper Pines, vai me ignorar? ― cerrou o olhar intimidante e assenti com a cabeça. ― Você ficou o verão todo lendo sobre alpinia.

― Em primeiro lugar, alpinia é um gênero de plantas, diferente de a-l-q-u-i-m-i-a, alquimia. ― dei ênfase à maneira correta da pronúncia. ― Segundo, tem inveja por que levo os estudos mais a sério que você, daí vem me perturbar? ― infiltrei as mãos por dentro do boné, estressado, e as mechas castanhas escoaram para fora.

Para se controlar, Mabel respirou fundo. As sobrancelhas dela frisaram em meio à intolerância e grosseria.

― Falei pra você fazer alguma coisa a ver com a Grécia. Achei que tivesse terminado seu trabalho. ― suspirei pesadamente arrependido e Mabel percebeu. ― Não tenho inveja, Bro-Bro. Eu só não quero te perder pra mesma loucura que uma vez consumiu o Ford.

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