interdisciplinar e sinestésico

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dipper pines

DIA 1

Não o quis rebater porque lhe dava toda a razão em debochar de minha aparência e obsessividade. Em poucos minutos, Bill Cipher me tirou da zona de conforto. Eu precisava absorver a situação que acabara de acontecer e restaurar o pensamento de que minha segurança era garantida – afinal, um demônio trancafiado não me faria mal algum. Resolvi, então, deixá-lo sozinho no escritório e relaxar, ter uma distração, a qual compreendia uma hora de banho e cuidados com minha estética, incluindo a depilação da escassa barba. Merecia também um cochilo, pois não dormia bem há 3 dias, graças à dedicação exacerbada. Após vestir a calça carmesim de moletom do pijama e apagar as luzes do apartamento – exceto as do cômodo fechado onde Bill estava –, sentei-me no sofá de couro da sala. Sonolento, respondi mensagens no celular, as quais não via há 2 semanas, a respeito de meu paradeiro e humor, dos amigos e da família. Ignorei as de Mabel.

De repente, ouvi um estalo na cozinha. Quis conferir como isso ocorreu e concluí que uma das vasilhas dispostas na pia iniciava o desequilíbrio das louças sujas empilhadas. Lavei algumas, evitando um estrago futuro. Aproveitei uma tigela para jantar cereal ao leite, abandonando-a em seguida na bancada, a fim de descansar no sofá.

A iluminação da sala estava à mercê dos postes da rua e do abajur propínquo a mim, sobre uma minúscula mesinha de canto. Era um ambiente perfeito para dormir, até lembrar de que havia um demônio sob o mesmo teto que eu – e meu lado inseguro necessitava checá-lo. Retorci o tronco à direita e espiei a porta do escritório ao fim do corredor.

Porta aberta e luz apagada.

Mastigados quebradiços chegaram ao meu ouvido esquerdo e o coração deu uma falhada. Comecei a girar o corpo em direção à fonte do som – em direção a Bill Cipher, sentado de pernas cruzadas ao meu lado, comendo os restos do cereal feito animal e virando a tigela para não desperdiçar uma gota do leite. A franja loura não mais escondia um orbe, estava presa atrás da orelha. Ele se movimentava tranquilamente, sem se importar com meu estado de choque. Diante de um ser desprezível como aquele, qualquer suspiro era intimidante e ofensivo. Boquiaberto e sem pestanejar, encarava-o enquanto apoiava a louça no braço do sofá. Quando seus olhos âmbares cerrados foram ao encontro dos meus, recuei ao canto do sofá até minha cabeça, levemente curvada para trás, derrubar o abajur no chão, apagando a única luz de dentro do apartamento. De repente, o objeto incendiou-se em azul, no mesmo tom do que o surgido durante a invocação no escritório. Clareou-se ao redor, possibilitando a visão da face do demônio. Suas íris se esverdearam. Uma gota de leite fugiu da extremidade direita de sua boca e, antes que o percurso viscoso atingisse a metade do queixo, Bill a capturou com a língua, fitando-me. Ele deu um sorriso maldoso e foi se aproximando, sem tirar os olhos de mim. Sua figura se encaixava paulatinamente entre minhas pernas, ao tempo em que me imobilizava. Fiquei estático por completo assim que suas mãos, pressionadas perto de meus cotovelos no braço do sofá, travaram meu tronco. Fraco de tão apavorado, fiz menção de gritar, mas fui impedido:

— Quer acordar a vizinhança e receber a visita da polícia? — tampou minha boca com a destra. — Não seria uma atitude inteligente. Você poderia ser preso por me manter em cárcere privado.

A mão de Cipher retornou ao couro, e eu me debati entre seus antebraços, sem êxito. Ele me observava com deboche. Só queria sair daquela posição tão vulnerável.

— Você jamais irá pra fora daqui sem mim. Me preparei para caso você escapasse da jaula. Não pode me matar, sou o único que pode desfazer sua área de atuação terrestre. — afirmei em tom baixo, porém firme. — Saia de cima de mim.

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