Capítulo 1 - A Cobaia Humana

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"Relatório 188, dia 30 de abril de 2023, 20:31 da noite, hoje se inicia o primeiro teste com humano do projeto Ferris, que aliás irá ser eu mesmo, Alberto Castro, 28 anos. Até agora só sei que as cobaias aguentaram 48 horas em cada dimensão. Os quatro ratos, Sartre, Friedrich, Camus e Arthur tiveram mudanças de comportamento bem distintas após os experimentos na máquina. Sartre se afasta de qualquer objeto metálico histericamente, Friedrich começou a ser violento com as fêmeas, parece não ter mais interesse de reprodução, por algum motivo esses dois não completaram o tempo estipulado pela máquina, já Camus ficou mais corajoso que os outros e Arthur consegue repetir os testes de inteligência sem eu induzi-lo. Após isso fiz um teste com uma cadela, Hannah, após o término do experimento ela começou a agir tipicamente como se tivesse acabado de realizar um parto e não parava de se lamber. Com isso concluí que as cobaias passaram por experiências diferentes quando colocadas em outras dimensões, mas não sei exatamente o porquê, já que eram adestradas. Pretendo então iniciar o primeiro teste em humanos, por falta de voluntários, me disponibilizarei para ser a cobaia. Programei para finalizar a viagem após 48 horas. Já que demonstrou ser o tempo exato para não ter efeitos colaterais graves. A máquina só consegue ligar três dimensões a um ser vivo, que somente ele pode acessar, vou testar as três e gerar relatórios sobre."

— Por que o governo sempre dificulta achar novas cobaias para os meus projetos?! — Minha paciência com este assunto já está acabando.

Sei que o que estou fazendo é no mínimo inconcebível nas minhas condições atuais, quase sem apoio do governo, nenhum companheiro de trabalho para me ajudar e aliado ao fato de que estou demorando demais para mostrar resultados, o que provoca a descrença dos meus superiores no Projeto Ferris.

Suspiro com pesar após desligar o gravador com projetor e fito meu quadro de anotações.

Todos esses papéis espalhados pelo cômodo dão um ar de bagunça, porém tenho certeza de que todos são úteis. O simples fato de ninguém entrar aqui a anos pode ter contribuído para a aparência caótica do meu laboratório. Apesar disso, esse lugar é o único que eu tenho, aqui é minha casa, é aqui onde eu vivo a melhor parte do meu dia, calcular, pesquisar, projetar, registrar, comer, dormir e quem sabe tomar banho.

Observo atentamente meu quadro de anotações procurando um papel em específico entre todos os rabiscos, cálculos e diagramas, porém a única coisa que consigo focar é o chaveiro pendurado no canto do quadro.

"Eu estive no Parque Bulldog!" estava escrito no chaveiro com um cachorro fofo com sua língua para fora.

A nostalgia bate com força de uma época distante em que ainda morava com meus pais e não estava em um estado emocional tão decadente a ponto de não ter ninguém para sequer conversar. O cheiro dos livros da biblioteca da pequena escola do meu bairro ainda está em minhas memórias, inclusive da única pessoa que eu costumava encontrar lá, a Sra. Odete, uma velha de 74 anos, com cheiro de naftalina. Não é como se eu realmente não tivesse contato social, eu somente não tinha tanto êxito ao fazê-lo, principalmente com pessoas que sequer se dão ao luxo de tentar entender o que estou falando.

Nesses momentos eu gostaria de ser qualquer um menos eu.

Isso me faz lembra do meu desejo esquisito de que meus troféus e medalhas de conquistas científicas criassem vida e conversassem comigo.

Droga, preciso lembrar de marcar minha volta ao psicólogo...

Lembrar de tudo isso me faz questionar o por quê de eu ainda tentar ignorar esse vazio que sinto por dentro, como se algo estivesse faltando.

Meus ombros se retraem procurando não ser visto toda vez que saio desse laboratório. O frio na barriga se intensifica e as pessoas parecem pouco se importar com fato de meu olhar estar caído, enquanto o deles parecem estar tão distantes e frios.

Logo meus olhos buscam a gaveta do armário direito, sabendo que lá tem uma possível solução para os meus problemas em um formato de seis pequenos projéteis de metal, porém um já é o suficiente.

Eu tento seguir as dicas do meu psicólogo de respirar fundo e abraçar a mim mesmo, lembrar que eu ainda estou vivo e fazendo algo que gosto, sim, eu definitivamente estou fazendo aquilo que me faz feliz: Descobrir coisas que ninguém em sã consciência ousaria ir tão fundo.

— Ok, pulsação 11 por 8, temperatura corporal 36,4°C, 84 quilogramas, horário de entrada 20:39, e uma vontade imensa de desistir.

Observo a marreta ao lado da máquina pronta para ser usada e finalizar esses experimentos desprovidos de bom senso, ou não.

Quando ligo a Ferris Mark II consigo ouvir os estalos dos geradores funcionando a todo vapor e torço para que não explodam enquanto estou dentro.

Inicio o sistema operacional e o vórtice se forma em frente aos meus olhos dentro de uma círculo metálico oval, grande o suficiente para tomar praticamente metade do laboratório e me fazer questionar novamente se devo prosseguir.

Seleciono então a primeira das três dimensões que a máquina conseguiu detectar e parear. Coloco no painel de controle a contagem regressiva de 48 horas, a luz como sempre é prismática e vou de encontro a ela.

— Tomara que eu não fique igual ao Friedrich e Sartre.

O que eu sinto ao entrar em contato com a luz do vórtice é um formigamento intenso, é como se meu corpo estivesse sendo desintegrado em mil partes, consigo ver e sentir milhares de luzes que somem e aparecem na velocidade da luz, chega um ponto que começo a perder minha consciência em meio ao caos fotocósmico.

Antes de apagar totalmente me pergunto se as pessoas dessa dimensão são mais gentis...

Além das dimensões: As Variantes da AngústiaOnde histórias criam vida. Descubra agora