A história é, em suma, assim:
Feliciano Coelho Duarte era um quintanista na Faculdade de Direito de São Paulo. Ele era um veterano, mas mais do que isso, ele era uma referência. Ficou conhecido por ser um dos garotos mais gente boa de todo alumni.
Entretanto, Duarte se apaixonou. E, se apaixonou intensamente. Amou uma Elisabete de Andrade. A Srta.de Andrade era uma boa moça da sociedade, com um dom exótico: a pintura. Ela pintava quadros em estilo neoclássico que Feliciano adorava. E ela simplesmente amava a pintura.
Pensando nisso, Duarte trabalhou e trabalhou, juntou moeda por moeda, até ser capaz de contratar um grão-mestre, tendo a École des Beaux-Arts¹ como alma mater, para lecionar à Elisabete. O que, poderia garantir-lhe, mesmo sendo mulher, a oportunidade de expor. Era uma grande demonstração de amor!
Feliciano foi infeliz ao ignorar dois detalhes:
Primeiramente, a Srta. Andrade vivia seguindo à risca o pensamento estético resumido em Benjamin Constant e o lema "a arte pela arte". Ela não queria expor sua obra ao público.
Depois, ela não o amava.
Eles discutiram. Dizem que no ápice da briga, ela teria dito:
"Não importa se te ofende, eu não aceitarei!"
E ele:
"Você não querer expor sua obra ao público é tão ofensivo quanto auto depreciativo!"
Ao que, ela teria respondido:
"Que ótimo."
E a próxima coisa que todos ficaram sabendo é que ele tinha se matado.
Não deve ser à toa que, na carta que ele deixou, lia-se frases como:
"Eu sou um fardo para quem mais amo".
***
Creio que é óbvio que foi um momento de comoção geral. Daqueles que não descrevo todos os detalhes, por ser impossível. Há certos sentimentos que não se consegue verbalizar. É uma mistura de decepção e saudade: foi bom, mas poderia ter sido melhor. É tristeza homogênea a desespero: Isso é péssimo, como isso foi acontecer!?
Todos perdemos coisas em nossas vidas. Mas, perder uma pessoa e saber que nunca mais poderá reencontrá-la...É o pior que pode te acontecer.
Por mais que o luto não me afete diariamente, ainda dói pensar que não consigo mais lembrar da voz de Feliciano. Esquecer, sem culpa, talvez seja o melhor.
Feliciano também foi um amigo, sabe? Talvez não o mais próximo, mas era uma face semi onipresente no Largo do São Francisco. Seu sorriso era cativante e tenho ao menos um ou dois contos de como nos divertíamos junto dele. Mas agora minhas memórias me enganam. Mentem demais. Ou, falam demais. O semblante anteriormente límpido de Feliciano agora me parece distorcido. Quando tento reviver aqueles dias que passamos próximos, ouço um ruído. Um ruído rouco que vai aumentando em volume e nitidez. Até que, torna-se audível, e diz:
"Suicida, suicida, suicida, SUICIDA!".
Até tornar a ser só ruído.
Esse pensamento me amedronta exatamente no nível suficiente para que eu evite lembrar quem foi, de fato, Feliciano Coelho Duarte. E com esse nome, mais vazio que seu corpo, não me resta muito o que comentar. É muito subjetivo.
No mais, relato os resultados da vida de Feliciano. Resultados, estes, que ele não chegou a ver. São frutos que plantou sem colher. São as consequências de um ato, corajoso ou covarde, dependendo de para quem perguntas.
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A Casa do Satã
Ficción históricaFoi no ano de 1849. Fernando Sales estava ansioso pela oportunidade de estudar Direito em São Paulo. O que ele não sabia era o quanto seu colega de república, o poeta ultrarromântico Álvares de Azevedo, o atrapalharia em seus objetivos; nem o mistér...