Capítulo Cinco: Début

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 Comecei simples, com uma camisa branca e uma gravata preta. Depois, um colete anil de botões dourados. Então, um paletó borgonha, assim como a calça. E um sapato de couro branco, com a sola marrom.

Penteei meus cabelos negros para trás, revelando ainda mais de minha testa branca e oleosa. Não resisti a me olhar no largo do espelho de prata.¹

-Olha o malandro!²-Feio pulou nas minhas costas.

-Tsc. Saí de mim, peste!-Joguei ele para longe.

-Só falta isso...

Feio encaixou uma camélia branca em minha lapela.

Foi realmente o toque final para equilibrar todas as cores e formatos de minha indumentária.

Enquanto olhava no espelho, reparei em Feio. Ele usava cartola e se apoiava numa bengala.

-Pareces um aristocrata...

-Era o objetivo!

Franzi a testa e o encarei, claramente dizendo "por que diabos?".

-Quero inverter os papéis!-Disse ele.-O aristocrata corre atrás das garotas, e não as garotas correm atrás do aristocrata! Haha haha!

Fomos caminhando até o Solar. As ruas eram iluminadas por lampiões a gás bem espaçados. Todas as paredes ganhavam novas colorações, formas e sombras. Até os pombos em voo rasante pareciam criaturas de outro mundo. Tudo era amarelado, mas era mórbido. E, era mórbido. Passar pelo cemitério quando o vento balançava as chamas era sofrível.

Contudo, aproveitavamos o crepúsculo e o breu que se fazia entre cada lampião, para olhar ao céu. Como era lindo! As nuvens do infinito que cortavam um firmamento luminoso, revelando-nos os corpos celestes da Via Láctea. E aqui, ou acolá, eu ia reconhecendo um ou outro.

-Olha, é Vésper!³-Apontei.

Feio só concordou com a cabeça.

-Aquilo não é Áries?-Continuei.

-Deve ser.-Deu de ombros.

Após trinta minutos, nos achamos no local. O Palacete do Carmo nada mais é do que uma mansão cor de rosa, com platibanda.Tem dois andares e sacadas. Uma fachada neoclássica com várias portas bege em umbrais brancos. Três arcos de entrada em simetria.

Ao entrarmos pelo arco central, fomos cegados pela luz. Dezenas de candelabros e lampiões faziam do salão o extremo oposto da noite lá fora. O pé direito devia ter uns seis metros de altura, o teto de gesso era sustentado por colunas coríntias de base octogonal. As paredes internas eram brancas e verdes. Havia pinturas de guirlandas, cercadas por algo entre anjinhos e cupidos, com emblemas no centro, que continham paisagens praianas. No centro do teto, havia um lustre gigantesco.

Todas as esquadrias estavam escancaradas, permitindo que as nuvens de tabaco saíssem e a brisa gélida entrasse, num constante movimento.

Havia movimento em toda parte, as mesas estavam distribuídas pelos cantos e já havia sons de talheres de prata triscando em louças e gargalhadas altíssimas como o pingar de vinho. Garçons iam e vinham da cozinha sem problemas, afinal, todos os cômodos estavam abertos.

Um tapete vermelho se estendia por todo o salão chegando até a "frente". O palco para onde todos os olhos se direcionavam. Num primeiro degrau, um piano de cauda vazio e alguns violinistas sentados afinando seus instrumentos. Já no topo, uma poltrona, quase um trono imperial. Vazia, aguardava a rainha da noite. Dessa forma, o centro do salão se achava vazio. O suficiente para suportar a dança, que não tardaria a começar. Tudo no ambiente era fascinante, fui reparando nos arranjos de flores pelos cantos, quando...

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