Capítulo cinco

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Abigail

Acordo completamente desnorteada e logo me frustro por ter sido impedida de continuar dormindo. Estou deitada numa das poltronas do escritório de Mattia e não faço ideia de como vim parar aqui. Sinto cheiro de comida mas não cozinhei, me sinto mal, mas não lembro o porquê. Estou confusa.

Caminhei até meu quarto para ver como estava o tal armário. E estava surpreendentemente arrumado. Todas as minhas roupas estão dobradas, separadas em setores pelas gavetas.

É claro que isso não foi obra minha. Na verdade, se não fosse por Benjamin, eu não teria nem trocado de armário.

Aliás, é claro que foi ele quem fez isso. O cheiro de comida, o armário arrumado quase que de maneira minunciosa. Kali não invadiria minha casa para cozinhar para mim e arrumar o meu armário, ainda mais com uma barriga daquele tamanho.

Benjamin nem precisaria invadir. Já estava aqui.

Havia um bilhete na parte de fora do armário. Foi escrito num Post-It laranja neon, (possivelmente tirado do escritório em que eu dormia) e estava grudado exatamente sob a medida de minha altura.

"Princesinha, seu jantar de hoje e almoço de amanhã estão na geladeira. Coma. Organizei o seu armário também, e sou um homem ocupado; então por favor, não desarrume-o com uma semana. Espero que você esteja bem. - B."

Não sabia que Benjamin era capaz de se preocupar com algo que não fosse o próprio nariz, mas a visão de uma travessa lotada de purê de batata no primeiro andar da geladeira me surpreende. Talvez ele tenha medo de que eu fique muito triste, fique sem comer e morra. Assim já não teria mais uma maluca com quem pudesse se casar.

Mas me encanta um pouco o fato dele ter feito tudo isso sem nem saber o que me tinha acontecido. Apesar de não ter sido nada. Faziam quase cinco meses que minha mãe sequer me mandava um mensagem e ontem me ligou de repente, como se nada tivesse acontecido. Ela disse que estava no Michigan com uns amigos, mas que não demoraria para voltar a Coney Island. Está tão desatualizada sobre a vida da própria filha que me perguntou sobre meu emprego. E não sobre o que me faz comida quentinha, claro. Sobre o que me fazia ter crises de pânico duas vezes por semana.

Talvez eu nem me sinta confortável em contar para Benjamin o que estava acontecendo. Me sinto mal, como se tivesse feito ele se preocupar sem nenhuma razão. Me senti fraca. Esgotada. Mas só isso. Nada que precisasse de tanta preocupação. Lembrei de todas as vezes que me disseram que eu era fácil de amar, mas não me entrou a cabeça não me sentir amada pela única pessoa que tinha essa obrigação e preferi esquecer. Nem que só por enquanto.

Coloquei no forno a travessa de comida que foi preparada para mim, e enquanto esquentava sentei no sofá e busquei por "Pratos típicos da Irlanda" no Google.

Esse se chama Shepherd's Pie. O cordeiro moído, a quantidade de batatas na geladeira e os milhares de pacotes de ervilha no freezer explicam a imagem projetada em meu celular. Não consigo evitar uma careta ao perceber que aquela comida que deixava a casa toda com um aroma incrível levava ervilha. Benjamin não sabe que não gosto, então é impossível culpá-lo. Que pena.

Fica tranquilo, Benjamin. Vou me alimentar. - Escrevi para ele, a foto da torta recém saída do forno logo abaixo da mensagem.

"🙂" - Benjamin responde na mesma hora. Você tá bem, princesinha? Estava estranha quando saí da sua casa ontem.

Não foi nada. Estou bem agora. - Respondo encostada no balcão da cozinha, meu celular carregando na tomada da cafeteira.

Não passou pela minha cabeça que Benjamin sabia cozinhar até colocar uma garfada da tal torta em minha boca. Senti as batatas perfeitamente amassadas descendo pela minha garganta com o cordeiro maravilhosamente temperado e a sensação foi quase mais estranha do que ser acordada por I Want It That Way às duas da tarde de uma sexta-feira.

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