Capítulo seis

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Março

Abigail

Passei as últimas duas semanas trancada em meu apartamento. Me recusei a sequer pisar os pés para fora deste lugar, graças a Mattia. Aquele desgraçado está me despejando.

Há alguns anos, pouco depois do pedido de casamento em São Francisco, Mattia me levou ao cartório e colocou esta propriedade em meu nome. Algo que, se não me falha a memória, seus pais desaprovaram muito na época. Mas ele o fez. E eu, crente que ficaríamos juntos para muito além daquilo, concordei. Só não saberia e muito menos pensaria, nem em um milhão de anos, que estaria vivendo como estou. Perdi meu emprego, trabalho como noiva falsa de um homem intragável para sobreviver, e pior, estou sendo despejada. Por ter acreditado, por ter me entregado. Aparentemente, é Lincoln quem está tornando esta missão impossível possível. Lincoln é Link; melhor amigo de Mattia, advogado. (não fazia ideia de que algum amigo deste homem era capaz de ter um diploma). Especialmente este, que passava todas as suas quartas-feiras bem aqui, neste apartamento, jogando pôquer e comendo baldes de Planters.

Sinceramente, não se dizer se passei esse tempo trancada em casa apenas por esse motivo. Confesso que as vezes nem eu mesma me entendo. Talvez tenha baixado a Reva, de Meu Ano de Descanso e Relaxamento em mim. (tudo bem, posso ter exagerado). Ou talvez, além de decepcionada, eu esteja cansada. Cansada de confiar. Cansada de acreditar que Mattia um dia poderia voltar. Link me disse que ele está em Palermo. O pai abriu um novo investimento e estão precisando de dinheiro. Vão vender o apartamento assim que eu sair. Segundo ele, o negócio está quase fechado. É difícil acreditar, devido as condições desse lugar, mas se eles dizem... O que me resta é acreditar.

Não era como se isso fosse fazer alguma diferença, e se já recebi até o pedido de despejo, creio que não existam maiores milagres a serem operados. Nem mesmo os que Kali seria capaz de fazer com uma boa corda vocal e a presença de Mark. Mas mesmo que isto acontecesse, não mudaria o fato de que permaneço cansada. Desapontada, perdida. Era como se esse nicho de dois quartos fosse tudo o que eu conhecia. O frango frito do John's, a farmácia Sherman. Até mesmo esse restaurante patético do andar de baixo. Nunca estive tão desanimada para começar um novo ciclo como estou agora. Me sinto impotente. Se não sou capaz nem de manter meu próprio lar, como diabos seria capaz de me reerguer? De ter algo novo para ser tudo o que conheço? Estou perdida. È como se meu reino estivesse sendo invadido, mas porr um inimigo conhecido. Por Mattia.

Decido sair de casa e caminhar por Inwood, com um café descafeinado em mãos e uma blusa branca que diz "I love NY" no peito. As flores laranjas já carregam as Ginko Bilobas e o céu já se desaparece com nuvens. Vou sentir falta desse lugar. Sinto que morar aqui é basicamente a mesma coisa do que morar em Coney Island. Nem precisei me acostumar de novo quando vim de lá pra cá. As pessoas parecem não se adequar a esse estilo de vida agitado da cidade e tornam esse lugar um oásis. Do qual eu sentirei muita falta. Não consigo nem me imaginar morando em algum lugar que não seja aqui. Poxa, é tudo o que me permiti ter. Não por mim, mas por Mattia. Para estar neste momento. Abandonada, com um vestido de noiva de mais de 2500 dólares entulhando meu guarda-roupas. E a partir de agora, torcendo para que Benjamin não tenho o visto lá dentro. Não que eu me importe, mas não quero que ele pense que sou uma maluca que guarda o vestido de noiva de um casamento que sequer aconteceu (o que eu sou) mas ele não precisa saber. Seria constrangedor até, se ele soubesse.

Ao chegar em casa com meu terceiro café descafeinado em mãos, me deparo com um telefone quase implorando para ser atendido. Era o meu, claro. Seis chamadas perdidas. Uma de um número desconhecido e o resto de Benjamin. Aparentemente insatisfeito, também me mandou onze mensagens de texto. Este ser nefasto só me manda mensagens quando definitivamente não quero conversar. Principalmente com ele! Saíram os resultados da porcaria do vestibular e é logico que eu não passei. Terei que continuar no emprego por tempo indeterminado, e ando evitando-o, porque no presente momento prefiro ser lobotomizada a confessar que preciso continuar trabalhando para ele sob esse contrato doentio.

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