CAPÍTULO 4

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O frio do qual me recordo de tempos atrás, antes da minha partida, ainda está aqui. É quase imperceptível mas ainda se é possível sentir um leve cheiro de mel produzido pelas abelhas cantaneiras na beira da praia. O cheiro era mais evidente antes do frio, mas logo esse problema será solucionado.

Demoraram apenas 7 dias para chegar aqui, bem menos do que eu esperava, aparentemente o problema era mesmo o barco amaldiçoado de Leocádia. Sorte que o barco de Eduardo não tem nada disso.

Estou na entrada da ilha aguardando a verificação dos documentos para autorizarem a entrada e atracarmos no porto.

"Quem são os responsáveis por este barco?" Pergunta um fiscal da guarda costeira.

"Sou eu o capitão deste barco, aqui está meu documento." Eduardo apresenta seu documento e os do barco ao fiscal.

"Estamos retornando de uma viagem em nome do Prefeito Sebastião, sua representante é Azaleia Carmo." Disse se referindo a mim.

"Seu documento por favor."

"Está tudo certo. Infelizmente devido a baixa temperatura não será possível que o seu barco atraque no porto porque a água está congelada. Vocês podem seguir por aqui mesmo passando pelos fundos do setor. Mas antes peço que esperem que eu comunique o prefeito sobre a sua chegada."

Muitas coisas mudaram com o novo clima, mudaram intensamente, mas não imaginei que iria ser tão drástico.

"Espere, se a água está congelada, como as pessoas vão da superfície até os recifes?" Perguntei.

"Elas não vão. Não há entradas para o recife de corais e nem saídas, portanto todos nos recifes estão presos até que o gelo derreta." Me respondeu o fiscal.

Isso é horrível, já fazem meses que este frio tem afetado os moradores de Coraline. Agora com a superfície isolada isso afeta tanto o povo num geral quanto a economia, afinal, nem as maçãs podem ser exportadas para os recifes nem mesmo os corais para a superfície.

"Se eu não posso atracar no porto faço o que com o meu barco?" Pergunta Eduardo.

"Por que não o deixa flutuando pelo mar ou algo assim?" Diz Leocádia desdenhosa.

"Eu não tenho obrigação nenhuma com vocês ou com este lugar, eu vou seguir o meu caminho e quem quiser vir bem, quem não quiser se vire."

"Espere um pouquinho, Edie..." Leocádia diz e depois troca sussurros com Eduardo. Por fim diz:

"Bom minha querida Azaleia, sinto muito não poder te acompanhar mas creio que meu trabalho por aqui acabou. Vou com o Edi... digo, Eduardo. Você já está entregue e sei que pode se entender sozinha com Sebastião."

"Bom, é, bem, acho que sim mas você faz parte dessa expedição e..."

"Sim, mas tenho outras coisas a tratar e vamos ser sinceros, não entendo nada sobre o resto do procedimento, quem sabe lidar com isso é você, não vou ajudar em nada."

"Pode ser né mas..." Mal termino de falar e Leocádia entra de volta no barco com Eduardo e eles partem.

Depois de alguns minutos esperando na companhia de alguns ex-tripulantes do barco de Leocádia, chega um funcionário, não o mesmo fiscal, para nos passar um recado.

"O Prefeito Sebastião requisita a presença de Azaleia Carmo na prefeitura para uma reunião hoje às 19:00 horas." Avisa o funcionário.

"Somente eu?" Pergunto.

"Sim, o resto de vocês está liberado. Para seguir para dentro da ilha podem ir por aqui."

Se não fosse pelos funcionários do porto terem me oferecido roupas de frio, não sei o que seria de mim, está nevando e ventando, é impossível andar nas ruas sem bater queixo. Decidi que a primeira pessoa a quem daria sinal de vida seria uma conhecida que por acaso trabalha em um ótimo restaurante, logicamente decidi isso com o estômago, que agora já está cheio de feijão que foi o que consegui pagar com o dinheiro que tinha, o meu prato preferido, bife maçã verde a cavalo, estava o olho da cara, muitos dos preços do restaurante subiram desde a última vez que vim aqui. Ali ela, vejo Dinha limpando uma mesa quando termino de pagar a conta.

"Azaleia! Não acredito, a quanto tempo chegou?"

"Na verdade hoje, como você está?"

"Tive sorte de te encontrar logo quando chegou. Não me diga que isso é..."

"Ah, pois é sim."

Não é muito discreto andar por aí com uma flor que emana calor e praticamente brilha, ainda mais quando se está tão frio, as pessoas tendem a chegar perto.

"Eu, Dinha, estou vendo o Girassol Ardente na minha frente, com a pessoa que o trouxe de tão longe por ordem de simplesmente o prefeito! Uau! Posso tocar?"

"É melhor que não, ele é meio quente."

"Ah sim, faz sentido hahah. Nossa você não sabe a bagunça que isso aqui virou enquanto você esteve fora."

"Acabei de chegar, mas já vi que as coisas estão muito estranhas. Além do frio que aumentou desproporcionalmente, por que esse restaurante está tão vazio? Ele sempre foi tão popular."

"Menina, o frio tá insuportável. E é por causa dele que tá tão vazio, ta faltando funcionário e cliente não quer sair de casa né, ta todo mundo passando apuros e o prefeito não decreta logo lockdown. Eu mesma só vim porque preciso de dinheiro né, tá tudo caro!"

"Eu reparei no que aconteceu com o cardápio, o bife de maçã verde que sempre teve o mesmo preço a anos está custando muito caro."

"Isso é porque as maçãs tão encarecendo muito, ouvi dizer que é porque não ta nem vendendo pro povo do recife e nem deve ta nascendo maçã nesse frio né. Fora que não tem remédio porque não vem nem vai nada."

"Não tem remédio? Mas o prefeito devia dar um jeito nisso e providenciar."

"Dever devia né, mas cadê que faz."

Conversamos mais alguns minutos e depois me despeço, o caso dos remédios me instigou a ir numa farmácia perguntar pelo estoque, eles dizem que está tudo em falta e não tem previsão para quando vão chegar mais medicamentos, por razão também do frio que está impedindo o transporte de corais vindos do recife, que são a obra-prima da maioria dos remédios, e também impossibilitando qualquer comunicação entre superfície-recife.

Isso é um grande descaso, o prefeito tinha que estar fazendo algo, mas esse prefeito não faz nada e não é de hoje.

Saindo da farmácia quase virando a esquina, um senhor que aparenta ter mais ou menos uns 45 anos me aborda, primeiro eu penso que deve querer alguma informação, mas ele me oferece um meio de conseguir o medicamento que eu quiser.

"Se quiser é só vir comigo, estava a caminho bem agora. Esse cara pode te arrumar qualquer um, e se você quiser pode também te arrumar uma passagem para os recifes."

Isso deveria ser impossível, não tem entradas ou saídas para os recifes. A proposta dele me deixa curiosa, eu quero muito ir atrás mas não tenho esse tempo, eu peço mais informações.

"Tem um cara que pode te informar melhor, vá na borracharia da esquina perto da lanchonete e procure 'João da Graxa'"

"Pode deixar que eu vou."

Entre Águas FúcsiasOnde histórias criam vida. Descubra agora