Cinco

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CINCO

Termino de descer as escadas e vejo as duas na cozinha sentadas uma de frente a outra e minha mãe de costas pra escada, elas parecem um pouco tensas o que me faz ter um pouco de raiva de mim mesmo por não ter ficado quieto e escutado um pouco. A última coisa que ouvi da Thar antes de me ver foi "... acho que eles descobriram" não tenho certeza se era uma pergunta ou afirmação. Vou até a cozinha tentando ver algo estranho, alguma pista no olhar delas, mas ou não teve nada ou sabem esconder muito bem porque não vi nada, pra ser mais específico elas nem se olharam, Tharsy mantem seu olhar em mim enquanto minha mãe parece estar olhando pro nada.

- É... foi muito difícil acordar, o sono estava bom... - sorrio num pedido de desculpas.

- Achei que dormiria mais um pouco - minha mãe fala e olha pra Thar que a olha de volta, "pista um" meu lado paranóico começa a trabalhar.

- Não tem problemas - Tharsy responde logo depois - aproveitamos e colocamos a fofoca em dia - "pista dois, minha mãe não é de falar dos outros em fofocas, ela mal gosta de usar essa palavra" .

- Ah sim - finjo não perceber, vou até a geladeira bebo água. - e então sobre o que falavam?

- Nada demais - ela desconversa - vamos conversar lá em cima?

- Ah claro - volto a subir, com ela logo atrás de mim, até meu quarto.

Olho em volta, para a bagunça que sempre está no meu quarto, ela nunca sai, por mais que eu tente.

- Não repara na bagunça - falo meio sem jeito - eu tinha planejado arrumar antes de você chegar mas... peguei no sono como você percebeu...

- É, eu sabia... Quer dizer, sua mãe me contou. - finjo não reparar nesse deslize.

- Tem quanto tempo você chegou?

- Não sei, mas faz pouco tempo.

- E então, o que você achou do que te contei na escola? - pergunto enquanto ajeito a cama de forma "aceitável" e me sento. Ela senta ao meu lado.

- Não sei muito bem o que pensar, talvez você só esteja manifestando sua loucura em um nível mais alto - ela ri com a brincadeira.

Rio também, mas logo fico quieto pensando no que ocorreu durante o dia. Recebo uma travesseirada na cara, Tharsy se aproveitando da minha distração pra iniciar uma guerra de travesseiros, pego o travesseiro do meu irmão e entro na brincadeira tentando a atingir também. Após a nossa pequena guerra percebo que o tempo passou rápido, já está começando a escurecer.

- Você vai ficar pra jantar?! - falo mais como afirmação que como pergunta.

- Posso dizer não?

- Poder até pode, mas vc vai ficar do mesmo jeito - faço cara de autoritário e volto a rir sem conseguir manter.

- Mas minha mãe vai brigar...

- Aposto que se minha mãe ligar ela deixa.

- Eu vou perder mesmo, pede pra sua mãe ligar, posso tomar banho?

- Se quiser eu mesmo posso te dar banho - rio sem graça.

- Sai doido, sei tomar banho sozinha, não lembro de você ter ficado tão ousado.

"também não lembro de você ter segredos com minha mãe" penso mas não deixo as palavras passarem pelos meus lábios.

- Nem eu - falo um pouco mais a vontade ao ver que ela levou na brincadeira.

Final do jantar decido levar Tharsy em casa, que fica em outro bairro durante uma parte do caminho tenho aquela impressão de estar sendo observado e olho várias vezes em volta sem conseguir ver.

- Para com isso! - ela diz me dando um soco.

- Ei - protesto e devolvo com um empurrão fraco e olho de novo em volta.

- É sério, para, tá me assustando.

- É que... Deixa pra lá... - a sensação vai embora.

- Melhor mesmo...

Seguimos o resto do caminho em silêncio, as ruas estavam quase vazias exceto por alguns bêbados nos bares pelo caminho, a deixo na porta de casa, em parte pelo fato de que se eu entrar vou acabar conversando e demorando e porque quero pensar um pouco, andar me ajuda, sentir o chão passando pelos meus pés, a vibração dos meus passos ao andar, me concentro nos acontecimentos do dia, na Iza "será que ela vai aparecer amanhã? Por quê ela foi embora e nem falou comigo? Quem era aquela pessoa no telhado? E os sonhos?" as perguntas fervilhavam na minha cabeça, mal eu pensava sobre uma e outra já aparecia no lugar. Decidi tomar o caminho mais longo de volta pra casa e reduzi o passo, o vento estava frio e um pouco fraco, e então eu senti algo, meio que uma sensação de estar esquecendo algo, e por mais que eu tente lembrar não consigo, quando parece que está a muito pouco de se revelar volta pro fundo das lembranças "droga, por que não consigo lembrar? Do que eu quero lembrar? Como posso procurar algo que não sei o que é?" paro e me vejo numa praça vazia, sozinho, olho ao redor, não vejo ninguém é resolvo sentar o vento começa a acelerar e com ele meu coração, vem um pressentimento, tem algo errado, levanto numa onda de adrenalina procurando, olhando em volta, o vento bate forte contra mim, folhas são levadas por ele e até galhos passam por mim, mas permaneço preso ao chão, dou um passo contra o vento e um galho do tamanho do meu braço passa perto de mim "preciso encontrar um lugar pra me abrigar" vejo uma árvore perto de mim e vou até ela lutando contra a força do vento "de onde esse vento veio?" não vejo outro lugar pra ir então me encosto na árvore torcendo pra o vento não ser forte o bastante para removê-la de lá.

O vento diminui e vejo uma silhueta de alguém longe em meio ao vento, procurando alguma coisa, "será que ele também sentiu o vento?" decido sair do meu esconderijo e ir ver se posso ajudar a pessoa de alguma forma mas assim que saio de trás da árvore a pessoa parece se assustar.

- Ei, precisa de ajuda? - grito - foi um vento muito forte! - ando na direção da pessoa mas ela recua na mesma medida que avanço - espera, só quero ajudar.

A pessoa para ao mesmo tempo em que eu, ele está me encarando, de onde estou não vejo muita coisa mas minha intuição diz que conheço aquela pessoa. Ele continua parado me olhando, sem mexer um músculo, como uma estátua. Sinto uma pequena dor na cabeça e forço os olhos tentando enxergar quem está ali, a pessoa está vestida com uma roupa preta, um sobretudo e um capuz.

De repente a dor piora não consigo pensar em nada, a pessoa se aproxima um pouco, consigo ver seu rosto, um rosto feminino, os olhos fechados em concentração e lágrimas escorrendo deles, me ajoelho sentindo a dor ficar insuportável e algo me diz que ela está causando a dor.

- Por favor, para, o que você quer? Tá doendo muito. - tento dizer entre os gemidos de dor mas não sei se ela conseguiu entender, a dor persiste e então a voz dela explode na minha mente, como um grito, uma voz que conheço mas não consigo lembrar de onde, ela apenas diz "você tem que lembrar, Tom".

Então tudo fica escuro e perco os sentidos.

O experimentoOnde histórias criam vida. Descubra agora