Três

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TRÊS

Estamos sentados no pátio conversando com a aluna nova que entrou no nosso grupo, Kyn presta bastante atenção ao relato da Taianí sobre como ela veio parar aqui, no inicio prestei atenção, mas agora a inquietação voltou "não é possível, tem alguém nos observando" olho em volta e nada, só algumas pessoas conversando e brincando. Volto-me para a conversa tentando me concentrar em outra coisa. 

- ... então meu pai resolveu me colocar nessa escola, - ouço Tai (como todos do grupo agora chamam) continuar - no inicio me senti meio deslocada mas vocês logo me acolheram, ainda bem. - ela termina com um sorriso.

Kyn, que ate agora estava calado, resolve falar.

- Interessante Tai, esta gostando dos colegas? 

- Estou sim.

- Ótimo, vou jogar bola, você vem Tom?

Não sou bom jogador, aliás, não jogo nada, se não fosse pelo Kyn eu nem entrava em algum time nos intervalos, mas eu pelo menos sabia tirar a bola do adversário. Fomos jogar, como sempre, o Kyn quem fez a maior parte dos gols e eu apenas impedi que alguns adversários chegassem a tentar, foram mais ou menos dez minutos jogando e sentindo que estava sendo observado, mas quando joga futsal tem sempre alguém olhando, e o sinal toca, hora de voltar a estudar.

- Cara, você é um monstro, - Kyn fala chegando ao meu lado - ninguém passa por você e nem chegou a se cansar, nosso goleiro está suando - olho pra trás e confirmo nosso goleiro Gabriel, cara alto, forte e com a cabeça na maior parte do tempo nas nuvens, literalmente, está todo suado e ofegante  - e olha que ele foi o que menos trabalhou lá, graças a você.

Agradeço dizendo que eu tenho algum preparo físico e retorno a sala, pego minha cadeira e ponho próximo a janela e espero o professor. Kyn, Tharsy e Tai, a mais nova integrante do nosso grupo, vêm pra perto, aproveitando que eu peguei o local mais ventilado da sala, o resto da manhã passa tranquilo e a sensação estranha foi embora o que me deixou mais concentrado nas aulas.
Na saída nos juntamos novamente e tentamos marcar algum encontro fora do colégio, mas como a maioria não poderia desistimos e cada um foi pra sua casa.

Chego em casa por volta das 13:35 e minha mãe reclama.

- Você sai de lá 12:30 mais de uma hora pra vir pra casa, estava fazendo o que ate agora?

- Com meus amigos mamãe...

- Até agora? - interrompe - eles não têm casa não? E a mãe deles? Deixam eles ficarem na rua ate uma hora dessas? 

- Deixa, e a gente não estava fazendo nada de mais, só estávamos...

- Não tenho nada com eles, tenho com você, se você saiu cedo da escola tem que chegar em casa cedo, está ouvindo? Não quero que isso se repita.

- Tá bom...

- Porque eles não vêm pra cá? Tem que ficar no meio da rua conversando... parece que não tem casa, pra ficar na rua...

Me desligo por instantes e olho pra comida.

- Posso por o meu?

- Agora você sente fome né, quando está com seus amigos nem pensa em comer - ela continua reclamando enquanto põe a comida e eu me desligo novamente, com a mente vagando por algum planeta do sistema solar.

Termino o almoço e vou pro quarto fazer as lições, volto pra sala ligo a TV e procuro algum filme, acho um na metade, mas não presto muita atenção, fico dividido pensando na sensação e numa das alunas novas, o filme termina sem eu perceber e começa o jornal falando da corrupção e outras notícias do tipo, desligo a televisão e volto pro quarto, pego meu celular e fico jogando um desses jogos de estratégia, só saio de lá pra jantar e tomar banho.

No dia seguinte acordo mais cedo e vou pra escola antes da minha mãe acordar, entro e vou direto pra sala, pego o lugar junto à janela apoio a cabeça na carteira e fecho os olhos.

Alguém abre a porta da sala sem fazer barulho, e entra, consigo ouvir os passos suaves vindo na minha direção, mas me mantenho na mesma posição sem abrir os olhos, a pessoa para a alguns metros e muda de direção tomando o lugar um pouco à minha frente. No inicio supus que seria o Kyn mas ele odeia acordar cedo e sentaria perto de mim, a curiosidade cresce dentro de mim mas me controlo, ela fica maior quando sinto que a pessoa esta me olhando, "não consigo resistir, eu tenho que olhar" abro os olhos devagar olhando pro chão, ouço ela se mexer quando movimento de leve minha cabeça "deve estar a uns 3 metros de mim".

Minha curiosidade me domina, levanto a cabeça num movimento rápido e encontro uma Izabelly assustada, como criança que aprontou e foi pega com a mão na massa, me olhando, ela esta com os cabelos soltos por cima dos ombros, mexe neles e por fim diz:

- Bom dia, achei que estivesse dormindo, a propósito, sou Izabelly...

- Sim, eu lembro de você - interrompo esfregando os olhos e olhando-a melhor - bom dia pra você também, achei que ninguém mais chegasse cedo. - ela sorri, levanta da cadeira e vem até onde estou estendendo uma mão.

- Prazer, ninguém, mas pode me chamar de Iza. Thomas não é?

- Bem, pode ser, mas acho que nós dois somos ninguém - aperto a mão dela e rio com a brincadeira - mas pode me chamar de Tom.

Seguro a mão dela por alguns instantes, sinto um pequeno formigamento e solto de repente, ela me olha sem entender e começa a retornar ao lugar.

- Pode ficar aqui se quiser - digo apontando para a carteira logo em frente a minha.

Ela hesita.

- E seus amigos?

- Eles não vão...

Kyn abre a porta e alterna o olhar entre eu e a Iza com uma cara do tipo "o que está acontecendo?" passando pra "acho q atrapalhei algo" um sorriso de divertimento aparece nos lábios dele e ele vem até mim tomando o lugar ao meu lado 
- ... se incomodar - termino.

- O que perdi? - Kyn pergunta olhando Iza como quem avalia.

- Nada, só estava explicando pra Izabelly que vocês não se importariam se ela sentasse aqui na frente. 

- Ah, sim, sim, pode vir, não nos íamos achar ruim... não é Tom? - ele continua sem esperar resposta - pode se juntar ao nosso grupo se quiser e, ah, o tom não é de convidar ninguém então pense com carinho no convite - ele termina rindo.

Ela sorri também, mas não acompanho e olho pela janela, quando volto a olhar ela está meio sem graça retornando ao lugar.

- Ei! Desculpe, não sou muito de rir. - tento me explicar.

- Não, tudo bem, talvez mais tarde eu fique perto de você... Vocês, obrigada pelo convite.

Me encosto na cadeira e depois de alguns minutos o resto da turma chega, depois que o barulho chega a um alto nível um professor, negro alto e forte entra e a turma se cala, ele se apresenta como Guimário, professor de história e sociologia, as aulas que seguem são silenciosas a não ser pelos professores falando. Na terceira aula, pouco antes do intervalo, a inquietação volta e olho pra fora através do pátio para cima de uma sala que fica no lado oposto, vejo alguém se esconder atrás da divisória do telhado.

O experimentoOnde histórias criam vida. Descubra agora