Capítulo I part. II • Madrugada Sombria

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Não muito longe do covil masculino onde as almas dos mais nobres homens — e talvez das mulheres — se perdiam em e meio a bebedeira e jogos de azar, um berço de perdição de pecados e mal maiores se estendia pela denominada Rua das Casinhas, enquanto o sol se esgueirava entre as nuvens dando o ar das graças do dia, o lugar era apenas um simples centro de comércio que recebera o nome em 1773, quando fora erguido seis quartos enfileirados que foram arrendados como mercado, entretanto quando a noite chegava, o comércio agitado dos compradores dava lugar as mais baixas prostitutas de São Paulo, em uma busca desesperada por clientes em meio aos becos e ruas de terra, camaradas, marinheiros, caboclos e roceiros, não havia distinção, desde que trouxessem moedas de seu árduo dia de trabalho nos bolsos. Não era esse o caso do mais famoso prostíbulo da região. O Dionisio's, famosa casa de tolerância, recebera o nome em homenagem ao deus pagão do vinho, era muito bem frequentada, apesar de sua localização não muito privilegiada de acordo com suas ideias refinadas, a proprietária do local Dona Mariana, privilegiava os homens mais abastados de dinheiro, cuidava pessoalmente para que os fazendeiros, comendadores e comerciantes fossem bem tratados e levados ao andar de cima da casa de três pavimentos, enquanto os pobres mortais com menos de 500 réis ficavam à porta da casa sendo cuidados pelas não belas e baratas rameiras. Em mais uma noite agitada, mulheres rodopiavam suas saias de cetim pelo salão com exibições de danças exóticas e homens, muitos deles de boa família, esvaziavam seus bolsos em busca do suave toque feminino que as mais belas mulheres corruptas de São Paulo eram capazes de proporcionar por alguns conto de réis.

A mais bela entre todas elas era Julia Margarete. Uma celebridade a parte das noite, fazia frente com qualquer meretriz da França ou as famosas messalinas de Veneza. Seu nome no qual as senhoras de família tinham vergonha de citar em voz alta era celebrado com ardor. Sua beleza fazia jus à fama encantadora, ruiva de mil facetas e uma delas era a de mulher fatal, mentirosa capaz de encantar o mais honesto dos homens — ou mulher.

Uma extensa fila com pouco mais de dez cavalheiros a esperava no lado de fora do quarto pomposo onde ganhava a vida.

— Ele está aqui! — uma mulher esguia de cabelos castanhos e olhos igualmente escuros abriu a porta do quarto e anunciou com espanto.

Julia Margarete que calçava preguiçosamente uma meia decorada com pequenos laços rosas de cetim parou no mesmo instante. Os músculos de seu corpo já doloridos pela longa noite de trabalho se enrijeceram, soltou um suspiro cansado e terminou de amarrar o último laço minúsculo da meia branca delicada.

— Ele quem? — perguntou já tomada de ansiedade. A noite havia sido demasiado estressante,para não dizer incômoda.

— O inglês de quem tanto falam — a moça morena que atendia vulgarmente pelo apelido de Lulu respondeu, observando a reação da ruiva. Os olhos pararam momentaneamente junto a sua respiração. Então os boatos estavam certos, aquele homem realmente havia voltado para a cidade.

— Está no salão? — questionou Julia tentando não demonstrar apreensão, de forma falha. Todas as garotas da casa de Dona Mariana sabiam de cabo a rabo sua trágica história com um inglês que visitou pouco o lugar, mesmo assim deixara uma marca. Uma grande marca de cinco anos de idade e cabelos negros.

— Não, subira para o último quarto com Ágata e Margot — assim que explicou, a mulher se arrependeu. Conhecia bem a personalidade de sua amiga, e temeu pelo o que a ruiva faria.

Dito o certo, Julia recolheu um xale fino que mal lhe cobria a pele com decência e o jogou sobre os ombros desnudos, tentando disfarçar sua falta de vestimenta adequada por cima da chemisè e um espartilho, dane-se estava em um bordel de qualquer forma. Havia muito tempo que não se importava mais com decência, e um dos grandes culpados disso era ele. Precisava ver com seus próprios olhos, caso contrário não teria paz.

Alma em fogoOnde histórias criam vida. Descubra agora