(Babados, Leques e Trajes formais)
"O salão de festas era sempre ricamente decorado e iluminado, em honra aos convidados ilustres.Os homens deveriam estar vestidos elegantemente, é claro, mas as mulheres sempre iam especialmente resplandecentes, e seus belos vestidos reforçariam a rica ornamentação.)"
-The Ball-Room Guid
São Paulo
3 de dezembro de 1808
21:15O pior infortúnio do ano estava acontecendo diante de meus olhos. O baile da Sociedade Concórdia Paulistana que se arrastava em uma valsa lenta e tediosa, me fazia questionar porque me apertei em um espartilho para comparecer a um evento insosso como esse. Não se confunda, por favor, ainda não sou amarga o suficiente para desgostar de festividades. Na verdade, tenho um grande apreço por elas, entretanto comparecer a tal lugar no qual as extravagâncias escandalizam toda a sociedade por meses, graças ao egocentrismo de sua anfitriã não são alvo da minha adoração. Para ser mais rude e sincera, detesto confraternizar com provincianos que a cada segundo se admiram por cortinas ou castiçais qualquer apenas por terem sua origem no outro lado do oceano.
Não que me restasse outra escolha, pois pelo dia, sou um belo fantoche nas mãos de minha mãe e antes que desse por mim, já estava amarrada num vestido de cor clara, com um decote quadrado e simples. Mamãe deveria saber que sempre odiei a modéstia dos trajes de debutantes, e por mais que não demonstrasse, fazia de tudo para contrariar meus gostos, me manter na linha, infiltrada em meio às damas inocentes no auge da mocidade. Ainda sim, eu era um incômodo, um incômodo persistente, essa seria a palavra mais apropriada para descrever mulheres que assumem deveres encarados como masculinos.
Dessa vez, não houve desculpas ou mentiras sobre estar indisposta para sair na neblina fria da noite, meus pais estavam determinados a me incluírem de vez na sociedade para finalmente livrarem-se de mim. Sem dúvidas me atirariam ao primeiro pretendente louco, tolo ou corajoso o suficiente que se dispusesse a se casar com Anelise Aigner, a senhora com a pior reputação de toda sociedade Paulistana. Para um corajoso, não seria um negócio ruim levar o maior dote que essa região já vira e de brinde uma belíssima esposa, entretanto nem todo homem está disposto a abrir mão do seu orgulho e se unir a uma messalina. Devo esclarecer que boa parte dessa fama não faz jus às minhas verdadeiras proezas noturnas, sei mascarar muito bem meus divertimentos em companhia feminina. Entretanto, apenas o fato de não me comportar como uma ovelhinha e não comparecer à igreja todos os domingos, fizeram as boas senhoras colocarem minha personalidade em suspeição, em decorrência, faziam com que meu nome sempre fosse o assunto do lugar. E a maior culpada disso tem nome, a Baronesa Domitilla Martins de Lima, ou apenas Dona Tilla como era conhecida, além de deslumbrada, era também a fofoqueira mais notória de toda a cidade.
Sentada num cômodo mais afastado do burburinho com música e danças, longe dos cavalheiros, estabeleci naquele canto afastado meu observatório secreto desde a primeira vez que compareci ao evento ainda no auge da minha mocidade. Ali usufruía da tranquilidade necessária para ver tudo o que se passava, desde as conversas monótonas entre cavalheiros, ao balançar desesperado dos leques das moças em direção aos rapazes. Visão essa que nem as fofoqueiras mais notórias detinham nesse momento, afinal se esqueciam de suas funções ao apreciar a ostentação de um dos únicos eventos festivos do ano. Para os provincianos que nunca frequentaram uma corte era o auge da diversão, para mim uma tortura. Obviamente não deixaria de beber às custas da viscondessa Miranda, a velha portuguesa quem ajudava a idealizar esse circo, junto a Tilla. Juntas formavam a dupla mais soberba da cidade, afinal eram as únicas mulheres com um título de nobreza. De onde estava, conseguia ver a doce neta da viscondessa Miranda, uma garotinha de apenas 16 anos um tanto burra, Marcela era seu nome, estava acompanhada de uma loira na qual não conhecia, mas provavelmente saberia reconhecer os pais. Mamãe insistia anteriormente para que eu fizesse companhia a elas na esperança de um rapaz me tirar para dançar, entretanto tive pena das pobrezinhas, minha presença profana a atmosfera pura e cândida na qual as duas ovelhinhas viviam.
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Alma em fogo
Historical FictionNenhuma metáfora do mundo seria capaz de caracterizar o que se tornara São Paulo de 1808 após receber o convite para uma tríade de assassinatos misteriosos. Entre as vítimas está Julia Margarete, a prostituta por quem a rica e mesquinha Anelise Aign...