Haviam ao menos uma dúzia de Sebastiões na cidade, cinco deles se encontravam ali. Entretanto, Sebastian do modo estrangeiro de se falar era apenas um. Único de seu nome, único de sua cor. O mais alto e bem vestido deles, garboso e dotado de um orgulho célebre que apenas os cavalheiros mais confiantes guardavam, deu um passo à frente. Silencioso e, principalmente, curioso pela figura conhecida do Intendente, no qual nunca simpatizou.
— Sim, senhor — meu amigo falou baixo, quase como um murmúrio, mas para o velho intendente foi o suficiente para o olhar com aqueles olhos deprimentes cansados. Antes de responder, cumprimentou brevemente algumas figuras conhecidas da festa, descontraiu um sorriso ao perceber o olhar nada receptivo da anfitriã, Dona Tilla.
— Me acompanhe, por favor, temos um assunto a tratar em particular — estendeu-lhe a mão, fazendo menção a um cumprimento, coisa que nunca fizera antes. Sebastian relutante e confuso não lhe deu a honra de apertar as mãos, apenas acenou com a cabeça. — Não quero atrapalhar as festividades, continuem, logo a questão que tenho pendente com o cavalheiro será resolvido — a última parte falou entre dentes mirando a velha portuguesa e alguns curiosos que pararam ao seu redor.
Eu os acompanho, pensei sem proferir. Minha presença não era lá a mais importante, mas a curiosidade e acima de tudo intuição me fizeram seguir aqueles dois homens que se puseram para fora em passos largos, finalmente ignorados pelos simplórios convidados, que logo voltaram a suas atividades mesquinhas.
Lá fora estava silencioso, o som dos grilos contrastavam com os risos abafados vindos de dentro do casarão tão ricamente iluminado que não nos faltava luz nem mesmo no gramado, longe das janelas de madeira abertas no alpendre. O velho Intendente pouco se importou ao notar minha presença, apenas continuou a guiar Sebastian até uma distância segura do casarão, em meio a um jardim de plantas mortas, cortado por uma estrada de terra vermelha que levava a fazenda da velha portuguesa à cidade. O problema é que no início da estrada haviam homens do príncipe. Não era um bom sinal.
A noite não estava gélida, mas senti um frio no estômago, em seguida na pele. Frio não apenas de temperatura e sereno, frio de morbidez, o frio que acompanha a sensação e certeza de que algo ruim acontecerá em breve. Enrijeci na calçada do alpendre, um degrau antes do gramado. Contei apenas quatro homens, número exorbitante para os padrões de segurança de São Paulo. Vestiam o uniforme azul e chapéus sem muitos adornos, dois cavalos sem montaria ocupavam a parte da frente da comitiva infame armada com mosquetes enferrujados.
— O que diabos está havendo aqui? — a voz estridente de Bernardo fora quem interrompeu o silêncio no exato momento que pensei em dizer o mesmo, caminhou em passos duros como um raio até passar por mim como um raio na entrada do alpendre. — O senhor não está pensando em encarcerar este pobre diabo, está?
— Encarcerar? — repeti.
O Intendente pouco se importou, continuava inabalável e provavelmente impaciente.
— O senhor Sebastian... — reformulou — Este elemento está sendo preso por suspeição de um crime.
— Prove. Eu quero provas, senhor Intendente! — Sebastian levantou a voz, mas sem perder o tom manso de sempre. Havia pouca surpresa no seu semblante, na verdade parecia entediado e o conhecendo como conheço, obviamente esperava que Bernardo na qualidade de advogado o livrasse dessa situação tão rápido quanto o Intendente o meteu. Tive vontade de rir. Sebastian praticar um crime? O homem mais conservador e temente a fúria de deus mal fere preceitos cristãos, quanto mais a lei. Surpreendentemente, Sebastian não se demonstrava nem um pouco surpreso, sequer indignado por estar sendo acusado.
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Alma em fogo
Fiction HistoriqueNenhuma metáfora do mundo seria capaz de caracterizar o que se tornara São Paulo de 1808 após receber o convite para uma tríade de assassinatos misteriosos. Entre as vítimas está Julia Margarete, a prostituta por quem a rica e mesquinha Anelise Aign...