O que você definiria como loucura? Qual o ponto onde a sanidade deixa a si? Quando você percebe e é tarde demais, é sua culpa?
A tão comum presença do moreno já não era vista há muito tempo pelos arredores da favela. As falas animadas dos recém-chegados na ilha foram levadas pela brisa constante. O céu azul já não representava a luz trazida junto dos novos moradores. Não existia mais nada.
Tudo pode desmoronar a qualquer momento, mas foi na semana anterior que as coisas se mostraram piores do que imaginado. Quanto tempo é necessário para se estabelecer uma relação de confiança? Alguns dizem que o tempo não importa, mas dez anos realmente poderiam ser jogados no lixo assim? Incrivelmente, esses pensamentos não eram vindos do detetive viciado em café, mas sim do ex-marido, que andava calmamente pelos arredores da comunidade, pensando no que os levou à situação atual.
Naquele fatídico dia, encontrou-se com o amigo. Ele se mostrava indignado, olhava para Felps como quem via um fantasma. O seguia, encarando o ser branco com um ódio mortal, jurava ter visto as bolhas que se aproximavam estourarem antes mesmo de chegar a um metro do detetive. Parecia movido pela adrenalina, o tempo todo parando e lembrando ao filho para se manter longe, prometendo que o compensaria pela diversão perdida. O pequeno assentia, sorria para o pai e o seguia como um patinho segue a mãe.
Em algum momento perdeu o moreno, rendendo-se e estando em meio às pessoas rindo e conversando, mas não esperava que quando o visse novamente, ele já não seria o mesmo. Os olhos azuis, tão escuros que parecem pretos, já não brilhavam mais. Toda a determinação pareceu se esvair. Existia uma perceptível sombra de decepção, dor, uma ferida profunda a ser curada. O rosto, já tão cansado, trazia junto a si linhas de estresse, as rugas de preocupação em destaque, a expressão desamparada como se ainda processasse o que aconteceu.
— Eles levaram o Felps - disse a voz sem emoção, de forma um tanto quanto automática.
Saiu dali com a perda de sua postura confiante, aparente perda de energia, como se cada passo fosse um enorme esforço. Parecia frágil, gestos leves e hesitantes, como se a decepção houvesse drenado a vitalidade que antes possuía. Ao seguir dos dias, todos os poucos diálogos que tinha com quem ia até ele, estava distante, perdido em pensamentos. O de moletom azul não sabia, mas o outro sentia que estava enlouquecendo, uma tempestade de emoções: raiva, tristeza, decepção, resquícios do que poderá ser determinação. Não estava pronto para lidar com isso, mas o faria. Os pensamentos intrusivos e obsessivos o assombravam: "Salve-o, salve-o, salve-o", incessantes, o prendiam em sua cadeira. Resolva os mistérios, vença os enigmas, destrua-os, traga-o, traga-o de volta.
“Pai! Você tá bem?”
O cientista despertou de seus pensamentos. Passou a semana toda se questionando como não percebeu o amigo enlouquecendo, queria tê-lo ajudado antes. O filho o acompanhava com café, algumas torradas com abacate e água. Todos os dias levavam para o detetive, para que se mantivesse vivo. Não conseguiam tirá-lo de lá, então cuidavam para que, ao menos, não adoecesse.
Ao adentrar o tão aconchegante escritório, ouviram a característica música ambiente do local. Pac amava como parecia uma zona segura, trazendo todo o aconchego que a nova relação com o ex trazia. O relacionamento de ambos foi rápido, mas intenso. Presos em Alcatraz por um tempo impossível de determinar, viveram tudo o que tinham para viver de forma intensa, e problemática. O que pareceu uma vida em menos de um mês, insanos como eram em suas essências, o suficiente para se perdoarem e seguirem extremamente amigos, e até tentar reatar por um pequeno tempo quando chegaram a ilha, mas dessa vez sem problemas na relação após o segundo término.
O encontrou deitado, com papéis espalhados pela mesa, a caneca de café vazia, as luzes amareladas ainda iluminando a feição extremamente cansada.
— Tenho que tirá-lo daqui em algum momento, Richas. Seu pai precisa de luz do sol - acariciou os cabelos morenos. - Ele tá tão branco que reflete.
“kkkkkkkk acorda ele, pai!"
O pequeno ovo saltitava animado, queria ouvir a voz do pai um pouco antes de seguir mais um dia de aventuras com o pai. Os dois, como uma boa dupla de atentados, molharam as mãos e espirraram água no adormecido, que acordou num pulo, levemente assustado.
— Felps? Eu consegui? - dizia desnorteado pelo despertar recente. A frase pegou os outros dois desprevenidos, que cessaram as risadas, mantendo somente leves sorrisos.
— E aí, Cell, tá na hora de tomar um café e sair desse lugar, acha não? Tá tanto tempo aí que tá se fundindo aos móveis. Daqui a pouco o Bbh te rouba achando que é uma especiaria - disse bem-humorado.
— Não posso, tenho que achar o Felps - disse sem levantar o olhar dos papéis.
E foi aí que pai e filho se encararam, determinados a tirá-lo de lá com sua maior arma.
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"Cicatrizes" - Guapoduo (QSMP)
FanfictionOnde Q!Cellbit e Q!Roier tem sua linda história escrita com ajuda do destino, onde o amor, os sorrisos, e a família viriam em primeiro lugar. Ou onde um ex presidiário acaba tendo todo o rumo de sua existência mudada quando vai parar em um navio em...