Capítulo 8 - Distopia

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A casa que Ayla morava era pequena para uma família com problemas recorrentes.

Quando acontecia alguma discussão ou um evento de consequências desagradáveis, só restava à moça ir para o quarto o qual dividia com três crianças, tornando o cúbico espaço num escape de reclusão aos xingamentos de sua mãe que, naquele momento, ainda soltava pragas pela cozinha.

As frases cheias de remorso continham um desgosto respigado várias vezes em situações semelhantes à esta. Era como se Ayla, a pessoa que viveu ao lado da mãe desde quando nasceu, fosse alguém indesejado na mesma residência onde há pouco tempo abrigava, praticamente, quatro desconhecidos.

A jovem deitou na cama inferior da beliche e apoiou o braço sobre os olhos na busca por um ponto neutro a fim de acalmar sua mente que fervilhava após tantos ocorridos desagradáveis. Ainda sim, toda a estrutura de madeira do móvel era frequentemente abalada por seu irmão postiço que agitava as noite de sono da família por conta dos jogos online, em especial, os que tinham armas.

André não conversava muito com Ayla, mas aparentemente, era o único que a travava com respeito e assim, a garota não tinha muito o que dizer sobre ele além da aparência física: gordinho, de pele branca com bochechas rosadas, olhos escuros e cabelos castanho-claro. Já as irmãs, que os residentes apelidaram de "gêmeas", chamavam-se Alexa e Alana. As duas era quase inseparáveis, sempre juntas fosse brincando ou brigando. Magras, brancas e bem loirinhas, faziam Ayla lembrar da personagem Marsha do desenho "Marsha e o Urso" e até a genialidade terrível da personagem as meninas também exibiam.

Crianças assim eram difíceis de lidar, mas as gêmeas não aprontavam o tempo todo quebrando objetos ou implicando com alguém. Só havia momentos em que a presença delas irritava porque a dupla parecia gostar de situações onde estar feliz era inconveniente. Sim, que nem sempre a mentalidade delas iria diferenciar os problemas nos ambientes para ter noção do que estava ocorrendo. Porém, Ayla sentia-se incomodada quando olhava para o lado e via duas figuras iguais exibindo sorrisos satisfatórios no rostos pálidos.

-Vem brincar com a gente.- elas disseram ao pai bêbado que estava sentado na sala.

Obviamente era uma realização impossível quando aquele homem se prostava diante da tevê. O corpo forte, caído sobre uma poltrona desgastada, destacava uma barriga avantajada, grossa do consumo alcóolico. Seu rosto de formato oval tornava-se tenebroso quando havia um bigode mal feito abaixo do nariz, além dos traços da calvície tomando espaço por seus cabelos finos e amarelados. Mesmo que estivesse sóbrio, Sandro não fazia o tipo de pai interativo com os filhos e nem com as pessoas da casa. Certa vez, o próprio falou que sua função era apenas trabalhar para ter comida na mesa e tal frase comovia Lúcia pintando em seu rosto um sorriso de que havia encontrado um bom companheiro. Suas comparações com o marido anterior tornavam-se desnecessárias na intenção de alimentar o ego do atual, além de que ela fazia de tudo para agradá-lo.

Sandro fez Lúcia se sentir culpada por não poder mais ter filhos, sendo que a gravidez de Ayla já era um risco assim que o médico observou que o útero da mulher estava muito baixo para gerar uma criança. Só o fato de Ayla nascer poderia ser um milagre, mas a consequência disso foi vista como uma praga na vida de sua mãe, principalmente nas horas em que Sandro jogava desejos complicados à uma situação delicada. Claramente este assunto deixava Lúcia mal e Ayla não gostava do jogo psicológico que o padrasto fazia na mulher.

A garota tirou o braço de cima dos olhos e rapidamente uma sensação agoniante apertou seu coração. Olhar para aquele quarto, viver aquelas coisas... a jovem não planeja sua vida para tais experiências. Às vezes, uma liberdade balançava as grades no coração de Ayla, encorajando-a a ter impulso e ser determinada. Em bater de frente com quem ameaçasse sua felicidade, que nada mais era do que se formar e viver sozinha, quem sabe namorando alguém legal. Mas com o passar do tempo essas suposições se desgastavam em sua mente como um mapa do tesouro perdendo a cor.

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