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Da série de coisas que podiam dar errado na minha vida, perder o emprego sempre era a que mais acontecia, e também a que mais me deixava aflita.

O desgraçado do meu ex-chefe pagou tudo o que me devia, mas me deu de brinde uma carta de demissão. Saí de queixo erguido, mas eu sabia que tempos difíceis viriam pela frente. Arrumar emprego tendo largado a escola não era nada fácil.

Novamente em casa, percebi que talvez fosse o momento de voltar para a minha antiga casa. Eu detestava aquele lugar, preferi continuar pagando aluguel por um longo tempo ao invés de morar lá. Aquele lugar me lembrava todo o passado que eu queria esquecer, mas não tinha proprietário para pagar.

— Que merda — expressei ao perceber que as coisas ficariam muito mais difíceis novamente.

Olhei meu celular, mas não tinha nenhuma mensagem nova de Draken. Desde o dia em que ficamos, nós conversávamos todos os dias, mas eu respeitava os horários em que ele estava trabalhando (além de fingir que eu também estava). Era vergonhoso dizer que novamente eu tinha sido chutada.

Olhando meus extratos bancários e minha situação, percebi que não teria jeito. Mais dois dias e eu teria que pagar dois aluguéis, o que me deixaria numa saia justa péssima.

Enviei uma mensagem para o proprietário avisando que eu sairia do imóvel.

Naquela noite, eu chorei enquanto empacotava todas as minhas poucas coisas. Ignorei quando Draken me mandou um boa noite e continuei na amargura da minha solitária companhia. Eu detestava ficar sozinha, mas não sabia como ser eu na frente dos outros, mesmo que por mensagem.

Em teoria, eu tinha direito a mais um mês naquela casa, mas eu não aguentaria. Eu precisava enfrentar meus demônios particulares, e eu sabia que se eu demorasse um pouco mais, desistiria da ideia.

E passar fome doía. Doía demais!

Era melhor engolir o orgulho do que abrir os armários vazios mais uma vez. Precisava engolir meus traumas e encarar tudo aquilo que eu evitava.

No dia seguinte, peguei minhas coisas e voltei.

[...]

Assim que abri a porta da frente, o cheiro de lugar fechado invadiu minhas narinas com força.

Continuava exatamente igual, do mesmo jeito que eu tinha deixado. O pessoal que fez o carreto com a minha mudança deixou tudo na sala e eu me vi sozinha no mesmo lugar que eu tanto odiava.

A grande casa de dois andares dos Hanma. Bonita, grande e mal assombrada pelas lembranças dos próprios moradores.

— Que merda — minha garganta ardia e meus olhos estavam cheios de lágrimas que lutavam para não cair.

O mesmo sofá em que meu irmão deitava para dormir quando tinha preguiça de ir para o quarto. O mesmo tapete em que meu pai foi prensado contra quando a polícia invadiu e o levou preso por assassinato.

As mesmas cadeiras da cozinha em que minha mãe nos sentava para dar café da manhã quando éramos crianças, e que ela mesma se sentou e chorou durante as madrugadas. Eu não entendia o motivo dela se desculpar comigo... pelo menos até fazer onze anos e descobrir que casas de massagem não faziam apenas massagens.

Ela sabia que a fama dela recairia sobre mim em algum momento, por isso sempre se desculpava.

"A vida não vai ser fácil para você, Sierra" era o que minha mãe sempre me dizia depois de colocar meu jantar. Quando criança, era difícil entender, mas infelizmente o momento da compreensão veio.

Sentada à mesa, me encontrei sozinha, desenhando com as pontas dos dedos na poeira acumulada enquanto minhas lágrimas caíam por cima, borrando os desenhos. Aquela casa nunca foi um paraíso, mas estar sozinha ali me obrigava a lembrar de cada momento, cada segundo doloroso da minha vida.

Nothing Left, DrakenOnde histórias criam vida. Descubra agora