O incêndio

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        Matteo

        Minha cabeça parecia querer explodir de tão dolorida. Não aguentava mais ver numeros na minha frente.

        O primeiro plantão de doze horas havia corroído meu cérebro com toda aquela papelada que me aguardava quando cheguei.

        Não tivemos nenhuma ocorrência, nem sequer para resgatar um animal de cima da árvore, nada.

        No auge dos meus 32 anos, era considerado novo demais para ser chefe do corpo de bombeiros. Eu também achava. Escolhi essa profissão por amor à adrenalina, gostava do caos, do perigo, da emoção.

        Mas isso foi antes...

        Não consegui deixar o acordo que fiz com Ámbar de que quando Noah nascesse eu iria ter mais cautela e tentaria um cargo mais burocrático do que ativo, e bem... eu consegui. Ainda que as outras duas pessoas envolvidas não pudessem presenciar essa conquista.

        Apesar de ter conquistado minha recente patente com muito esforço, o batalhão não pareceu ter gostado muito da escolha de chefia.

        O Capitão Davis, antigo chefe, era muito querido por todos, e a espectativa era de que quando a aposentadoria chegasse, abriria a oportunidade para os funcionários mais antigos se candidatarem à vaga.

        Mas então eu cheguei. O forasteiro de New York que ninguém conhecia.

        A hostilidade foi sentida a cada passo que dei para dentro da corporação. Cada "Boa noite, capitão" que recebi vinha com um tom de frieza e desprezo quem nem faziam questão de disfarçar.

        Agradeci aos céus quando o plantão terminou e eu pude enfim vir embora, descansar meu corpo e minha alma pelas próximas 36 horas antes de ter que encara-los outra vez.

        Ao menos achei que descansaria.

        Estava terminado meu banho quando os gritos começaram. De início pensei ter ouvido errado, mas quando desliguei o chuveiro pude entender claramente o que alguém falava.

       " — FOGO! AAAH MEU DEUS! TA PEGANDO FOGO!"

        Senti meu sangue ferver com a adrenalina. Vesti apenas minha calça de moletom sem nem me secar, molhei a camiseta que tinha pego para usar, cobri meu rosto e saí correndo para o corredor procurando a fonte dos gritos.

        A fumaça esbranquiçada fugia por debaixo da porta da vizinha. Sem saber a fonte do incêndio, arranquei o extintor de emergência que ficava pendurado na parede e tomando o máximo de distância possível investi contra a porta do apartamento que cedeu com facilidade abrindo-se em um baque.

        No meio da nuvem de fumaça a vizinha abanava com um pano a frigideira com chamas que ganhavam cada vez mais vida em cima do fogão.

        Entendendo o que estava acontecendo, me desfiz do extintor que não me serviria de nada naquele momento e corri até a mulher tirando-lhe o pano das mãos.

        — Para de abanar, ta alimentando mais o fogo com oxigênio.

        Ela me olhou com uma expressão assustada e se afastou para trás da bancada que dividia a cozinha e a sala.

        — Eu estava tentando apagar — A voz saiu trêmula — Mas cada vez foi ficando pior.

        Ao mesmo tempo em que ela falava, olhei ao redor localizando uma tampa grande e consegui colocar em cima da frigideira abafando as chamas e apagando de vez o incêndio.

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