Alguns anos antes do acidente...
— Parabéns, meu filho.
— Obrigado, pai.
— O que acha de um ano sabático e depois conversamos sobre suas atividades na empresa?
— Está falando sério? — A surpresa só não foi maior do que a alegria que explodia em seu peito.
— Acho que sim! — Antônio mal terminou sua fala, foi abraçado por seu filho.
Formado aos vinte e três anos em Administração de Empresas, Augusto ganhou um presente de formatura.
Jovem, cheio de sonhos e com um potencial incrível. Antônio permitiu que o filho fosse conhecer alguns lugares, antes de ser lançado no mundo dos negócios e sua vida adulta encerrar todos os seus dias de aventura.
Sem pensar duas vezes, ele embarcou, com apenas uma mochila em suas costas, em um passeio turístico, uma verdadeira viagem de conhecimento histórico.
Machu Picchu foi seu primeiro local de desbravamento. A civilização inca que ficou escondida por séculos dentro de uma mata peruana. Após uma exploração de um mês, ele partiu para a Itália. Pompéia, em Nápoles, a famosa cidade destruída pela erupção vulcânica, o célebre Vesúvio. Dali, Augusto partiu para Ágora de Atenas, considerada o berço da civilização oriental, localizada na Grécia. O destino final foi a cidade de Petra, na Jordânia. Uma cidade criada por árabes da antiguidade clássica. Um passeio turístico muito atrativo, devido às construções em um tom rosado, talhadas nas rochas das montanhas.
Ele conseguiu aproveitar muito bem, antes que o restante de sua juventude fosse sugado até aquele acidente que mudou a trajetória da sua vida.
Um ano após o acidente...
A depressão se apossou da mente e das decisões de Augusto. Ele não queria mais viver, chorava todos os dias e tinha crises de ansiedade, que só podiam ser controladas com medicação pesada.
Os pais de Augusto ficaram desesperados. Eles buscaram ajuda psicológica em vários hospitais e consultórios médicos. A luta foi muito grande e devastadora. Toda a família precisou de amparo.
Os dois primeiros anos foram os mais difíceis. A aceitação de que ele jamais tornaria a andar, dirigir, praticar esportes radicais; foi muito difícil acreditar na ideia de que sua vida estaria ligada à cadeira de rodas.
— Não quero ver ninguém — disse baixo, porém, decidido.
— Augusto, meu filho, você precisa conversar com ela, é uma boa médica, tem ótimas referências e concordou vir até aqui.
— Eu não pedi.
— Querido, já conversamos sobre...
— Acaso ela poderá devolver minhas pernas — diz, virando-se com sua cadeira de rodas para olhar da direção de sua mãe —, hein... responde? — Outra vez ele se volta para observar a área verde que cerca a mansão.
— Isso não é justo. — Ela inclina a cabeça para cima, respirando forte para conter as lágrimas. — Se eu pudesse, trocaria de lugar com você.
— Não diga isso, querida — diz Antônio, que entrou no quarto sem ser percebido e abraçou sua esposa, sentindo compaixão por seu estado emocional.
— Desculpa! — Augusto se vira, ao ouvir a voz de seu pai e se deparar com o sofrimento de sua mãe. — Eu só não quero ver ninguém.
— Faça por sua mãe, ao menos uma vez e se não der certo, prometo que não o importunamos mais.
— Antônio... — reclama Teresa. Ela não pensa em desistir, esse assunto jamais entraria em pauta. É a recuperação psicológica de seu filho que eles estão barganhando.
— Eu aceito!
Assim ele deu início ao tratamento que o ajudou a seguir a diante. Aos poucos a psicóloga foi conquistando um espaço. Ela conseguiu fazer com que Augusto não desistisse da vida, mas que tornasse as perdas em um desafio. E aquilo foi uma sacada e tanto. Ele jamais permitiria se deixar vencer por um obstáculo, foi o que aquela profissional o fez perceber. Não andar com as próprias pernas era apenas um dos entraves para que ele conquistasse outros sonhos em sua lista de desejos.
Quanto à Stock Car, esse sonho estava fora de questão. Mas, ele ainda poderia controlar outras áreas de sua vida.
A independência foi o primeiro passo.
Cinco anos após o acidente...
— Se eu soubesse que ela colocaria essa ideia absurda na sua cabeça, jamais teria ido atrás dela. Diga alguma coisa, Antônio — ordenou Teresa, extremamente chateada com a nova situação.
— Calma, meu amor. Vamos pensar com mais calma, talvez... — Ele ganhou uma encarada de sua mulher e pausou a fala, refutando em seguida: — Eu disse talvez, isso possa ser bom para o Augusto.
— Obrigado, pai — sorriu, o que era raro, após o acidente.
— Você... você está rindo? Não vai me comprar com um sorriso — determinou e saiu batendo os saltos pelo assoalho —, não mesmo! — gritou, após passar pela porta, saindo em direção ao próprio quarto.
— Apesar de concordar com sua ideia, e que ela não me ouça, não deixo de achar que sua mãe tem razão, filho.
— Vai ser bom para mim, pai.
— Eu sei. Mas, como pai eu não consigo deixar de me preocupar.
— E eu agradeço por todo seu cuidado. Não sei o que seria de mim se não fosse o senhor e a mamãe.
— Isso vai render, se prepara porque ela vai fazer exigências, depois de aceitar.
— Estarei preparado. E pode dizer para ela que vou aceitar todas, sem questionar.
De fato, Augusto não questionou a lista de exigências de Teresa:
"Nada de farra. Não pense que por ser maior de idade vai sair por aí aprontando."
"Não quero a casa cheia de mulheres. Onde já se viu?"
"Não vai parar de estudar e tão pouco abandonar a fisioterapia e... vou arrumar outra psicóloga, melhor... vou arrumar um homem."
"Vai me ligar todos os dias e jamais deixará de atender uma ligação minha, ou me mudo no dia seguinte para seu apartamento."
"Quero uma enfermeira dormindo com você e pode levar a Neide, só confio nela para cuidar da sua alimentação, você já está acostumado."
"O motorista vai junto, vai usar o carro adaptável sem questionar. Não é da hora, como os jovens gostam de dizer, mas é funcional."
Ele aceitou todas as exigências de sua mãe. Antônio ajudou com a compra do novo apartamento. Teresa participou ativamente na obra que preparou a casa para receber um cadeirante. Augusto finalmente conquistou a independência que tanto sonhou um dia. Aos trinta anos ele morava sozinho, mesmo recebendo os cuidados de pessoas próximas — exigência de sua mãe.
O primeiro passo para aceitar sua nova realidade foi dado. Muitos outros viriam a seguir.
***
E AÍ? ESTÃO GOSTANDO?
EU PRECISO MUITO SABER!
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Duas Vidas. Um Destino. [DEGUSTAÇÃO]
SpiritualAugusto já foi um jovem cheio de vida e que sabia aproveitar as oportunidades. Ele tinha um grande sonho: vencer a famosa Corrida do Milhão, promovida pela Stock Car Brasil. Letícia é uma mulher muito especial, apesar das perdas sofridas, ela conseg...