A Casa de Bonecas

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Éramos uma família comum de classe média. Vivíamos numa casa que apesar de pequena possuía um bom porão e era aconchegante o suficiente para acomodar a mim, minha irmã Marilyn de 6 anos que possuía cabelos loiros e olhos azuis - o que achava estranho, por todos na família termos olhos e cabelos negros -, meus pais e minha avó. A pobre velha foi morar conosco depois que uma terrível doença degenerativa do sistema nervoso passou a lhe afetar. Meu avô se foi poucos anos antes de eu nascer, um acidente de trabalho, diziam meus pais. De qualquer maneira, quando vovó foi morar lá em casa, já não lhe restava mais muitos anos de vida.

Em seu aniversário de 7 anos, Marilyn recebeu de presente uma casa de bonecas de madeira. Havia móveis esculpidos - também em madeira - dentro da casinha. O que não posso esquecer jamais é que também havia duas bonecas. Elas possuíam rostos angelicais e olhos vivos, que pareciam suplicar por algo.

A casa de bonecas parecia ser velha, isto porque a madeira estava desgastada e a tinta rosa que a cobria quase já não aparecia mais. Mesmo assim, Marilyn adorou a casa e as bonecas. Sim, ela adorou... O vício da menina relacionado à casa só aumentava mais e mais. Muitas vezes a peguei conversando com as bonecas. Ela não deixava ninguém tocá-las, ela dizia que elas sentiam tudo o que fazíamos e que tocá-las representaria um grande incômodo. Marilyn parecia cada vez mais fascinada pelas duas bonecas. Algumas vezes lembro de tê-la visto parada em frente à casinha, admirando-as, era assim o dia todo, todos os dias. Agora ela mal comia e mal dormia, não tinha olhos para mais nada ao não ser a casa de madeira.

Lembro várias noites de ter acordado por causa de suas conversas com as bonecas. Numa dessas noites eu estava com muito sono, talvez por isso tenha ficado com tanta raiva. Eu parei ao vão da porta do quarto da minha irmã e disse: "Marilyn, sua imbecil, será que você pode calar essa boca de merda?". Ela se virou e disse, indiferente à minha aspereza, sem demonstrar qualquer emoção: "Você não as ouve? Então deveria, pois elas falam! Dizem-me que um dia eu vou me juntar a elas e nós vamos ser ainda mais amigas." Eu disse indo até ela e lhe dando um beijo na testa: "Apenas volte a dormir e pare de falar besteiras. Boa noite." Voltei para meu quarto cambaleando de sono, caí na cama e "desmaiei".

Já fazia um bom tempo que eu não acordava durante a madrugada, quando numa noite tive um pesadelo terrível. No pesadelo, Marilyn jazia deitada num caixão de madeira levemente rosa e desgastada. Uma garota ruiva permanecia ao lado do caixão e outra garota, de cabelos negros, do outro lado do caixão. Marilyn estava diferente, não sei dizer exatamente o que mudou, apenas sei que algo me pareceu diferente nela. Ela estava desfalecida, mas não morta. As duas garotas, ambas apoiavam a mão direita no peito e a mão esquerda na beirada do caixão. Aquelas duas... sim! Eu me lembrava de tê-las visto em algum lugar! Eu acordei suando frio, com os olhos e a cabeça latejando.

Levantei da cama e corri para o quarto de Marilyn. Ela não estava lá. Procurei por toda a casa "Marilyn, onde você está?", sem resultado. A última opção que tive foi buscar pela menina no porão. Talvez ela estivesse lá, seja lá qual fosse o motivo. Com a ajuda da lanterna, iluminei as escadas para descer - a energia elétrica não chegava até lá.

Como eu não queria ter visto aquela cena...! Eu daria tudo para não ver! Vi corpo de Marilyn ensanguentado, uma faca em sua mão, um corte largo e profundo no pescoço... A casa de bonecas estava também no porão, aberta. Havia uma boneca de cabelos ruivos, uma boneca de cabelos negros e uma boneca de cabelos loiros.

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