Bom Velhinho

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Era uma noite escura e fria, mas Mika não tinha medo e o frio era camuflado por sua ansiedade. Ela não conseguia pregar os olhos. A bela madrugada de 25 de dezembro. Mas naquela noite, a pequena Mika estava determinada a ficar acordada para poder ver o "bom velhinho". Afinal ela tinha em mente que havia se comportado bem o ano inteiro e que merecia a boneca que tanto quisera, mas seus pais... seus pais lhe recusavam a dar-lhe-a. Os adultos sempre lhe causavam problema, mas com o "bom velhinho" era diferente, tinha que ser diferente.

Cada segundo era como um minuto e cada minuto como uma hora. A menina mal podia esperar para poder espiar pela porta do quarto na ponta dos pés, todos os presentes sendo colocados debaixo da luminosa árvore de natal. Ela voltou para a cama para esperar. Ficaria alerta a qualquer barulho.

Mika acordou assustada. Quanto tempo havia passado? Quanto tempo ela havia dormido? À essa altura das coisas, os presentes já deviam ter sido deixados na árvore. Ah não! Agora ela teria de esperar até o próximo ano para conversar com quem tanto queria.

Levantou-se da cama. Seus pés descalços tocaram o chão gelado, o que a fez tremer e calçar logo suas pantufas. Agora a única coisa que Mika tinha que lidar era a dor na barriga, mas não por dentro, por fora, como um corte ou arranhão. Mas isso não era importante agora, ela devia ver se o "bom velhinho" já havia deixado o presente.

Ao chegar, ela viu algo que a impressionou, algo que definitivamente não estava ali antes que ela caísse no sono. Havia quatro colchões que rodeavam a árvore ainda iluminada como uma circunferência. Em um deles estava a mãe, em outro o pai e no outro o irmão mais velho. O colchão encostado na parede estava vazio. Totalmente vazio. E era o único dos quatro em que a luz pegava parcialmente.

Enquanto isso, os três familiares de Mika dormiam muito bem, talvez fosse porque a menina insistia em andar na ponta dos pés e devagar apesar da ansiedade que a consumia, ou talvez não.

Finalmente, depois de um tempo que não parecia terminar olhando para os três dorminhocos nos colchões totalmente iluminados ela pôde ver um embrulho vermelho cintilante encostado no colchão vazio. Ele era tão pequeno, mas mesmo assim sabia que era o suficiente para comportar sua tão desejada boneca. Ansiosamente, rasgou-o sem mais hesitar. Mal sabia que sua alegria súbita seria convertida em plena decepção em poucos momentos.

No lugar do embrulho vermelho ela via uma caixa velha de madeira. Conseguiu abri-la facilmente, por curiosidade e ainda com sua pouca esperança restante de que ali houvesse uma boneca.

Não. Agora Mika sabia perfeitamente: não havia boneca. Não dentro da caixa. O que ela pôde ver foram quatro fotos provavelmente reveladas por uma antiga polaroide - pois as fotos eram de má qualidade -, agulha com linha e um estilete. Ela estava horrorizada com o conteúdo das fotos.

Todas as fotografias mostravam algo em comum, menos a última, que era apenas a representação do colchão vazio. Cada uma das outras três fotos mostravam barrigas diferentes com cicatrizes enormes, como se houvessem sido recém-cortadas e costuradas.

Mas Mika se enganou ao pensar que esses eram os únicos objetos no interior da caixinha. Não eram não. Ela percebeu um pequeno pedaço de papel. Era a carta que ela escrevera com tão bom zelo para o "bom velhinho" pedindo por sua tão desejada boneca. No verso do pedaço de papel havia algumas letras mal escritas e tremidas que Mika jurava não estarem ali antes:

"Seja esperta, meu anjo. Espero que goste do presente. Eles ainda respiram. Faça o mínimo de sujeira que puder."

Mika encontrara as cicatrizes correspondentes às da foto. Um por um por um. Os cortes foram reabertos. O odor incessante de sangue e tripas não impedia a procura de Mika. Definitivamente, se ela fosse encontrar algo, não seria em nenhum daqueles três corpos, que agora, não respiravam mais.

A menina se deitou no colchão vazio. Ela sentiu novamente o comichão na barriga. O estilete perfurou outra vez, agora um corpo leve e pequeno.

Naquela madrugada de 25 de dezembro Mika obteve sua tão desejada boneca e dormiu ao redor da árvore de natal, no único dos três colchões que estava iluminado. A menina sabia que o "bom velhinho" estaria sempre por perto, lhe vigiando pela fresta da porta, na ponta dos pés.

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⏰ Última atualização: Mar 20, 2018 ⏰

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