Sem Face

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Eu trabalhava numa fábrica longe da minha casa. Essa fábrica fica num lugar isolado da cidade, à beira de um lago de águas escuras e cercada por uma floresta de árvores longas com galhos e troncos enormes. Trabalhava de segunda-feira a sexta e meu turno começa no início da tarde e terminava à noite, não muito tarde. Eu sempre tive um pouco de medo, pois eu tinha de caminhar metros e metros até sair da área da fábrica para chegar ao ponto de ônibus; pode me chamar de covarde, mas duvido que na minha mesma situação você também não se arrepiaria. Nunca havia muita gente para pegar o ônibus, somente o pessoal da fábrica e alguns fazendeiros que tinham que ir para a cidade.

Na noite do aniversário de sete anos da minha filha porém, eu tinha que chegar mais rapidamente em casa, por isso saí alguns minutos mais cedo do trabalho. Naquela noite portanto, eu não tinha nenhuma companhia no ponto de ônibus. De fato, eu não pegaria o ônibus, pois ele só passaria mais tarde pelo ponto. Sendo assim eu chamei um táxi, que demoraria por volta de uns vinte minutos para chegar e esperei ali, no mesmo lugar que costumava esperar todos as noites. Bem, o que eu faria para me distrair até o táxi chegar? Ficaria olhando as árvores, não havia muito a fazer.

Quando era criança tinha medo dos monstros, tinha medo do escuro e constantemente sonhava com uma criatura esguia e gigantesca por entre as árvores. Ela sempre me perseguia com seus tentáculos e me assustava com sua cara pálida sem olhos, nem boca, nem nariz. Eu acordava gritando alto e suando frio, quando minha avó e minha mãe chegavam para ver o que estava acontecendo. Eu sempre descrevia a criatura como alta, magra, sem olhos, boca ou nariz, com terno preto e longos braços. Depois do meu longo choro, a minha avó me contava histórias que sempre me tranquilizavam e só assim eu conseguia um pouco de sossego pelo resto da noite. Mas apenas pelo resto da noite. Eu cresci, quando criança, ouvindo que aquelas histórias e sonhos eram somente fruto da imaginação fértil das crianças e que de modo algum eu precisava temer todas aquelas coisas.

O tempo passou, e a adolescência vinha chegando. Esporadicamente ainda tinha sonhos com a criatura sem face, embora fossem menos agora. Esses sonhos também não me provocavam mais tanto medo, sendo que passei a ser atraído por essas coisas, como posso dizer... sobrenaturais. Eu era um pouco cético, sendo que durante toda a minha infância, em que fui criado por minha mãe e avó, ambas céticas, eu apenas tinha aqueles contos de terror como plenas imaginações. E é aqui que toda essa minha convicção cética começa a ir por água abaixo.

Eu gostava de visitar fóruns na internet, principalmente sobre assuntos sobrenaturais, que era o que mais me interessava na época da minha juventude. Num desses fóruns lembro-me de ter lido um post sobre Slender Man, que dizia mais ou menos o seguinte (não consigo me lembrar exatamente de tudo agora):

"Você já viu ou sonhou com essa criatura?
(A foto de uma criatura esguia e comprida, parecida com a qual aparecia nos meus sonhos)
Eu venho vendo e sonhando com essa criatura frequentemente. Por favor, ninguém acredita em mim e eu já não aguento mais! Me ajudem!"

Uma pessoa respondeu ao post explicando que se tratava do Slender Man. "Uma figura que costuma se camuflar dentre as árvores. E uma vez que você a vê, já era; ela vai te seguir na escola, no trabalho, em casa, de dia e à noite até conseguir te enlouquecer. O Slender Man gosta de provocar o terror em suas vítimas, pois o medo é sua fonte de energia. Até que ele consegue as capturar definitivamente e sugar sua vida. Por isso normalmente os corpos das vítimas não são encontrados. Não se sabe exatamente para onde essas vítimas vão, mas sabe-se que em sua maior parte elas são crianças."

Mesmo com todo o meu ceticismo eu confesso ter ficado com medo. Mas ao menos eu só tinha visto o sem face através de sonhos. Mas qual era a probabilidade ou o sentido de ver uma aranha humana assim, na minha frente? Bem, nenhuma talvez? Pelo menos minha crença era essa até o dia do aniversário da minha filha. Meus sonhos com o sem face foram se reduzindo até nada.

Voltando à noite do aniversário da minha filha, eu estava ali ainda esperando pelo táxi. E agora haviam passado quinze minutos da minha chamada pelo táxi, ele deveria estar chegando, era pelo menos o que eu desejava. Eu me entretinha olhando para as árvores, pode parecer um passatempo inútil, mas depois de um tempo passa a ficar interessante, de qualquer maneira só o estava fazendo porque era a melhor coisa que eu poderia fazer naquele momento. E agora eu vi algo que não via há bastante tempo, mas de uma forma diferente e agora, ao vivo, vendo com meus próprios olhos. A criatura esguia bem na minha frente. Como aquilo estava acontecendo?! Não, não. Só pode ser um daqueles sonhos ridículos que me atordoavam quando eu era criança. Mas era real demais para ser só um sonho e muito irreal para ser realidade. Mas o sem face não me seguia como nos sonhos, apenas... ficava ali parado, imagino que se deliciando numa grande taça do meu horror. Para minha grande sorte, o táxi chegou logo depois.

- Desculpe pelo atraso, rapaz. Hoje o trabalho está pesado.
- Sem problemas - disse, enquanto entrava rapidamente no carro.

Enquanto falava para onde queria ir, acho que o taxista notou minha expressão.

- Um dia longo de trabalho, não?
- S-sim. - disse, ainda tentando me recompor.
- Não gosto deste lugar. Não me sinto bem por aqui. Quando soube que tinha que vir por estas bandas confesso que não gostei nada.
- O senhor já viu algo de estranho por aqui?
- Não só vi como já me falaram sobre algumas coisas desagradáveis que aconteceram.
- Como o quê?

A esta altura das coisas pude ver que o taxista estava um pouco apreensivo.

- Algum tempo atrás eu morava numa casa perto daqui. Não era grande coisa, mas era tudo o que o nosso dinheiro podia comprar.

Percebi que à medida que a conversa ia progredindo o taxista ficava mais e mais apreensivo.

- Se quiser...
- Eu morava com a minha filha e a minha esposa. Um dia quando cheguei em casa depois de um dia exaustivo de trabalho, não encontrei minha filha. Ela desapareceu e nunca soubemos da causa, a polícia também não descobriu nada.
- Sinto muito... Uma grande dor!
- Desculpe por estar enchendo seus ouvidos com meus problemas.

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Quando cheguei, a casa estava em plena escuridão. O aparelho de televisão estava com uma ruidosa estática. Não! O que está acontecendo? Eu liguei as luzes e desliguei a televisão. Havia um bolo com sete velas apagadas sobre a mesa da sala de jantar, ele estava intacto, senão por uma fina fatia que faltava. Elas haviam cantado parabéns antes de eu chegar? Procurei minha esposa para achá-la em nosso quarto, dormindo. Devia estar havendo algum engano, com certeza! Minha filha e minha esposa deveriam estar na sala de jantar me esperando, mas não estavam. Tudo bem, com certeza havia um engano.

Eu ainda não tinha tido a oportunidade de desejar feliz aniversário à minha filha e dar seu presente, porque ainda não a tinha visto. Então fui até seu quarto, o lugar que restava para procurá-la. A janela estava aberta com a cortina esvoaçando por conta do vento gelado. Na escrivaninha havia um pedaço de bolo e um desenho: minha filha, num jardim cheio de árvores imensas de mãos dadas com um... Não podia ser! Um ser alto e esguio! Junto ao bolo um bilhete: "Para o meu amigo cara branca".

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