Extra

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Tereza caminha sorrateiramente por trás da poltrona onde estava sua mãe, Andrea, lendo alguma literatura russa. Assim que chega por trás dela, ergue-se para lhe dar um susto.

— Você nem ouse fazer isso, mocinha — diz ácida, seriamente, folheando a próxima página.

— Como me ouviu?! — Pergunta indignada e joga os braços para baixo. Caminha para o sofá ao lado de sua mãe. Tereza já estava maior, uma garota de 12 anos, linda.

— Seu irmão gostava disso, principalmente com o namorado — ri baixo. — Eles eram duas figuras! — Fecha o livro e o posiciona no braço da poltrona, dando total atenção a sua filha.

— Eles se assustavam? — Pergunta receosa, com um sorrisinho fraco.

— E como, filhota! Eles só sabiam se provocar, nunca vi mais desunidos! — Brinca. — Mas o Leon morria de raiva disso, principalmente por não poder revidar — diz. — Seu irmão tinha o reflexo de bater quando era assustado, então não rolava um susto — sussurra para a garotinha, que ri. — Por outro lado, era uma vingança do Franz pro Leon também. Ele tinha mania de assoprar na barriga do seu irmão, como ele ficava cheio de ódio!

Tereza ri mais.

— Eu faço isso com o papai!

— É, eu sei que você faz isso com o papai — revira os olhos, feliz.

Andrea suspira, pensativa.

— Mamãe... — ela chama, também pensativa — como... como meu irmão era? — Andrea a encara surpresa, vendo-a tímida. — É que... faz tanto tempo... eu não lembro direito... de nenhum dos dois...

A mulher sorri fraco.

— Seu irmão era... a pessoa mais protetora que eu já conheci na vida, filha — responde ao se lembrar das cartas lidas há duas semanas. — E amorosa também... Era forte igual você, amor.

— Ele era fortão?! — Sorri mais abertamente.

— Claro! Foi assim que conquistou o namorado, boba! Tá pensando o quê? — Pisca para Tereza. — Mas é... Se eu for falar tudo sobre eles, ficaríamos aqui o dia todo, e eu tô cansada demais para isso, mocinha.

— E como ele morreu? — Pergunta sem rodeios desta vez. —  Como eles morreram?

Andrea sentiu o coração apertar, não só pelo seu filho, mas pelo genro também. Os seus garotinhos lindos.

— Filha — hesita —, o seu cunhado... ele tinha problemas já vindos da mãe dele. Coisa hereditária, sabe? — A garotinha assente. — Mas... quando ele descobriu... não quis falar para ninguém.

— Ele era maluco?!

Andrea ri pouco.

— Ô, se era, Tetê — seu olhar se perde. — Ô, se era...

— Mas ficou por isso? Ele só não disse?

— Não disse a ninguém — responde. — Mas Franz reparava. Seu irmão reparava em tudo. Desde as repetinas tonturas do Leon a falta de disposição. Ele passava quase o dia inteiro dormindo ou de cama. O Franz ficou muito preocupado nesse tempo, sabia?

— Caramba... — parece pensar — mas aí como ele morreu?

— Ele teve um mal-estar forte e foi encaminhado às pressas pro hospital. Foi lá que ele morreu, filhota.

— E o meu irmão?

— Oh, ele... — desviou o olhar, sem querer responder — ele quase enlouqueceu quando soube da notícia. Como o Leon morreu? Por que ele morreu? Ele estava tão saudável! — Sorri sem emoção. — Eu não lembro de muita coisa daquele dia, meu amor — confessa. — Parece que tudo foi um grande flash. Flashes e mais flashes do que foi aquele dia... — desvia o olhar. — Seu irmão ficou com ele no hospital esperando ele acordar. E assim que voltou para casa só para comer algo decente, recebeu a pior notícia que podia receber.

— Que o Leon tinha morrido?

— Que o Leon tinha morrido.

— Ele chorou?

— Muito, filhota. Muito. — Percebeu a garotinha se entristecer, então forçou um sorriso. — Vem cá — estendeu os braços para ela, que logo se aconchegou no colo da mãe. — Ele voltou pra lá para vê-lo uma última vez, e ficou com ele por muito tempo. Quando voltou pra casa, passou o dia no quarto. Eu o ouvi gritar lá dentro, de desespero mesmo, sabe? Como quem não estava acreditando. O amor dele tinha morrido, querida.

— E ele amava muito o Leon?

— Muito. Assim como o Leon amava muito seu irmão. Eu sonhava direto com ele.

— Com o Leon?!

— Com o Leon, sim. Ele aparecia pra mim muitas vezes, e parecia estar feliz. Só não consigo lembrar das nossas conversas... — tentou recordar, mas sem sucesso. — Mas voltando, o Franz teve um luto muito longo por ele, Tereza. Ele não sorria mais, estava sempre cansado. As poucas vezes que o vi sorri foi quando estava com você. Ou com os amigos.

— Ele tava doente, mãe?

— Eu tenho as minhas dúvidas, amor. Mas muito provável que sim. Doente emocionalmente, entende? — A garotinha assente com a cabeça, encarando a mãe com atenção. — Um ano depois, no mesmo dia, tivemos que levar ele pro hospital pq ele não acordava.

— Ele morreu dormindo?

Andrea suspira, fatigada.

— Sim — responde. — Mas no dia anterior, ele tinha vomitado muito. Antes de dormir, eu senti a necessidade de abraçá-lo e beijá-lo, dizendo que o amava muito. Você também ficou toda animadinha com ele, afinal, parece que você sentia quando as coisas iriam acontecer.

— Sério?! Tipo poderes mágicos?!

— Tipo isso, haha! — Acaricia sua cabeça. — Então ele foi dormir e não acordou mais. Ele morreu no mesmo dia que o namorado, com uma diferença de um ano, apenas.

— Caramba, isso que eu chamo de conexão!

– Filha, eles eram feitos um para o outro. Eles viviam um pelo outro.

As palavras que eu nunca faleiOnde histórias criam vida. Descubra agora