IX - Da cor de um pardal

6 1 0
                                    

O bater de asas do grande pássaro era forte o bastante para gerar rajadas de vento que balançavam as árvores na floresta, seus olhos escuros perdidos no tempo, no novo mundo em que despertara. Há muitos anos, quando esse mesmo pássaro estava acordado, a paisagem era diferente, as pessoas não eram aquelas, nada daquilo era assim como via agora. Todas aquelas casas inteiras, as pessoas felizes, as crianças correndo, os fazendeiros cultivando em suas plantações. A época que se lembrava, era uma época de medo, aflição e desespero. Pessoas assustadas correndo e esbarrando umas nas outras, crianças pisoteadas por multidões e fogo. Havia muito fogo. Por toda a parte. Sua visão agora era de um paraíso onde um dia fora um verdadeiro inferno.

A gigante águia branca podia observar a tudo com sua visão de longo alcance. Porém, esse pássaro havia dormido por muito, muito tempo e seu gigantesco corpo empenado cobrava de si um alimento que o sustentasse, que lhe desse forças para prosseguir voando à toda força. Seu corpo estava frágil e debilitado, sem nutrientes, estômago vazio. A águia rodopiou no ar, as asas enfraquecendo e sua visão se apagando enquanto ela caía velozmente no calor do dia. Ela ainda despertou por um breve momento, avistando um povoado próximo às montanhas, afastado do palácio. O pássaro buscou forças para se desviar das casas, mas de todo modo, não conseguiu evitar sua queda no milharal, arrasando toda a plantação.

Um homem velho, passeava por ali à cavalo, expirando a fumaça de seu cigarro, a barba mal feita, os cabelos brancos de velhice despontando de sua cabeça e os olhos cansados. Sua pele escura como a noite e seus olhos de um castanho-dourado luminoso. Quando seu cavalo relinchou e ele viu um vulto do que parecia ser um enorme animal, o homem aquietou seu cavalo e desceu de seu lombo, correndo em direção aonde caira a criatura que ele não conseguiu distinguir. Em meio ao milharal repousava uma gigantesca águia branca que miraculosamente se transformou em uma mulher de longos cabelos castanhos, uma pele outonal, demasiadamente bela e desacordada.

O velho senhor imediatamente a cobriu com seu casaco e correu para chamar sua mulher e filhos, trotando com seu cavalo o mais rápido possível. Quando retornou, ele veio acompanhado de sua mulher e sua filha caçula. As duas olharam com grande admiração a bela mulher que dormia profundamente sobre o que era seu milharal.

- César, vamos levá-la para casa e cuidar dela. Não podemos deixá-la assim. - Disse a mulher do homem, também descendo de seu cavalo. A mulher também já possuía os cabelos embranquecidos pela idade, os olhos cansados e escuros como sua pele. Os cabelos trançados até a cintura, com belos cachos enfeitando seu rosto envelhecido, porém ainda belo.

- Eu queria que você tivesse visto, querida. Essa moça caiu do céu na forma de um enorme pássaro. - Disse César, apagando seu cigarro e o pisoteando.

- Ela é jovem, provável que não sabia da semente dos deuses nela mesma. - Murmurou Corine, a esposa de César.

- Ou talvez seja uma deusa, você sabe, todos os deuses têm uma forma quando atingem o pico de seu poder. - César disse, um tanto admirado das suas próprias palavras.

- Sempre quis conhecer um deus de Homereia! - A filha do casal se animou com a hipótese dos pais.

- Bom, se ela for mesmo o que pensamos, não é melhor a levarmos para casa e oferecermos comida e roupas limpas? Ela parece frágil. - Corine disse, enrolando a jovem mulher com a sua própria capa.

César pegou a garota e a jogou sobre o ombro, voltando para seu cavalo, sendo seguido por sua mulher e filha. Ambas as mulheres pareciam radiantes com a novidade, o povoado em que viviam era tão pequeno, que nem tinha nome, lá não havia grande movimento, tampouco grande atividade criminosa. No máximo, alguns ladrões de galinha, que não demoravam muito a ser descobertos. Enquanto a família se afastava, César encostou ao pé do ouvido da esposa para lhe dizer "Diga ao Gregory que arrume suas coisas e se prepare para partir até a capital e relatar o acontecimento à rainha. Tenho um pressentimento. Talvez essa garota não seja uma aliada e é melhor estarmos preparados para isso."

Guerra dos Deuses - Caos ProfanoOnde histórias criam vida. Descubra agora